quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Sobre hoteis, empresas no Panamá e a diferença entre planejamento tributário e lavagem de dinheiro


Ter empresa no Panamá equivale a praticar o crime de lavagem de dinheiro. Foi isso que o jornais brasileiros noticiaram esta semana.

E eu, para provar que o cumprimento do dever está acima das filiações partidárias, vou ter que explicar que eles disseram uma enorme bobagem (meus amigos devem estar com um sorriso mordaz imaginando minha agonia e desconforto ao escrever um post que beneficia um partido socialista).

O caso e conhecido. O hotel que empregaria um famoso réu tem, como um dos donos, uma empresa do Panamá.

Para adicionar drama à notícia, os deuses do jornalismo providenciaram para que o diretor da tal empresa panamenha fosse uma pessoa de classe média, e não um imponente executivo que trajasse terno e casaca o tempo inteiro.

As reportagens foram elaboradas para dar a entender que a situação toda é estranha, suspeita, que há malas de dinheiro cruzando os céus dia após dia, num esquema gigante de lavagem de dinheiro que destruirá a economia do Brasil, e beneficiará advogados e bandidos confortavelmente instalados no Panamá.

Mas será mesmo?  Afinal, não foi essa mesma mídia que andou condenando o Joaquim Barbosa por lavagem de dinheiro só porque ele abriu uma empresa em Miami? (situação que não tem nada de irregular, como expliquei aqui anteriormente)

Vamos ver. Tenham paciência, leitores. Mentiras como essa são fáceis de dizer, mas dão trabalho para negar.




ESTRUTURA

Um hotel no Brasil tem como acionista uma empresa panamenha.  Isso é absolutamente permitido pela lei.  (O outro sócio do hotel, com participação pequeniníssima, é um brasileiro)

O sócio majoritário da empresa panamenha, ao que parece, é um cidadão do Brasil. Entenderam?  Um brasileiro abriu uma empresa no Panamá, para que a empresa no Panamá fosse dona de uma outra empresa no Brasil.

Será que essa estrutura acionária significa que o dono da empresa do Panamá está cometendo fraude fiscal, ou lavagem de dinheiro?  Mas é claro que não.

Esse tipo de estrutura é extremamente comum. É vulgar e ordinária. As pessoas fazem isso basicamente pelos seguintes motivos:

i) é mais seguro manter dinheiro fora do Brasil. Afinal, aqui no Brasil a justiça do trabalho pode roubar seu dinheiro, a Receita Federal tem acesso à sua conta bancária, etc.
ii) em muitos casos, os empresários fazem isso para se proteger da inveja dos que acham que o sucesso é uma ofensa;
iii) os empresários também fazem isso para despistar a concorrência;


Dizer que a estrutura investidor-offshore-empresa no Brasil facilita a lavagem de dinheiro ou então que ela facilita a sonegação fiscal é uma BABOSEIRA INFANTIL E IGNORANTE.

Uma estrutura tão simples... Não se usaram Trusts, fundações, "money centers". Uma criança poderia fazer a estrutura que a reportagem descreveu, e via internet.

Se eles realmente quisessem lavar dinheiro, pode ter certeza de que um reporter sem treinamento especializado jamais encontraria o diretor da empresa.

Por último: a nomeação de um diretor local (o pobre coitado que o repórter foi importunar) não equivale ao uso de laranjas.  Laranja, no Brasil, é a pessoa utilizada para esconder o dono real de alguma coisa. Neste caso, o sujeito era um mero diretor provisório. Sempre, ou quase sempre, se utiliza um diretor local, encarregado de assinar declarações anuais, quando se abre empresas no exterior. Funciona mais ou menos como um contador, ou despachante.

O nome do Brasileiro constava como dono da empresa! Não existe laranja se o seu nome aparece na internet!



ONDE ESTARIA A ILEGALIDADE?

O brasileiro que é dono de empresas no exterior é obrigado a declarar isso em seu imposto de renda. Se ele não declarar, está cometendo ilegalidade. A falta de declaração, ou a nomeação de  um dono falso (agora sim, um legítimo laranja) é o indício essencial de que a operação é fraudulenta. Mas, como está bem claro, falamos de outra situação.

A empresa brasileira (o hotel) tem que recolher tributos normalmente, como qualquer outra empresa. E, quando apura lucro, tem toda a liberdade para enviar os lucros para sua sócia no exterior. Esse envio é registrado no Banco Central.

A empresa no Panamá pode, se quiser, distribuir os lucros do hotel para o brasileiro que é dono dela. Esse dinheiro também é controlado no Banco Central, e inclusive paga IOF quando chega ao Brasil.

E se o brasileiro quiser manter o dinheiro no exterior, então que mantenha! Quando ele morrer, os herdeiros provavelmente trarão o dinheiro para o Brasil (e pagarão os impostos devidos pela valorização das ações no exterior).  Tanto faz se o dinheiro ficar no Panamá, na Suíça ou no Zimbábue.

A PROPÓSITO, ESSE ASSUNTO DA TRIBUTAÇÃO DO LUCRO DAS EMPRESAS OFFSHORE ACABOU DE MUDAR MUITO COM A MEDIDA PROVISÓRIA 627. MAS, ATÉ HOJE, ERA ASSIM QUE FUNCIONAVA.

Seria criminoso, é claro, se o hotel não declarasse os impostos corretamente, se o dinheiro fosse enviado para o exterior em malas de dinheiro, e se a empresa fosse mantida em nome de laranjas, terceiros, de modo que a Receita Federal brasileira não pudesse saber que o brasileiro mantinha dinheiro no exterior.

Se acontecesse tudo isso, então seria crime.

Mas é um salto dedutivo desafiador presumir que a mera propriedade de empresa no Panamá já indica o transporte ilegal de dinheiro. A reportagem jogou com a falta de conhecimento especializado da maioria dos ouvintes, para dar a entender que a operação era suspeita.

É FÁCIL ESCONDER DINHEIRO?


No Brasil, a Receita Federal tem poderes ditatoriais (prestem atenção! não estou dizendo quase ditatoriais, nem análogos a poderes de um ditador. Estou dizendo que a receita tem poderes exatamente iguais aos poderes que os ditadores brasileiros, quantos fossem, detinham. Na verdade, muito mais ainda. A Receita federal é dona da sua privacidade e a principal inimiga dos direitos individuais nesse país -e sim, eu sei que temos escravidão e massacre de jovens pobres, mas pelos menos essas duas tragédias são ilegais, enquanto a Receita tem poderes quase ilimitados, e amparados pela lei.)


Ela pode acessar seu extrato bancário, violar seu sigilo telefônico, invadir sua casa e solicitar a terceiros que informem se fizeram negócios com você.

 Sem contar que os cadastros bancários e empresariais são acessíveis instantâneamente.

Não tenham dó da Receita Federal. Se ela por acaso acha que o famigerado hotel, ou que seu dono, estavam escondendo dinheiro, ela tem como descobrir isso facilmente. Mesmo porque o Panamá possui acordos de cooperação fiscal e de troca de informações com metade do mundo.


É FÁCIL ESCONDER DINHEIRO NO PANAMÁ?

Não. É super difícil. O Panamá é quintal dos Estados Unidos. Já publicou leis contra corrupção e mantém um registro público de suas empresas e diretores.

Em suma, o Panamá serve para planejamento fiscal, mas não e um país que oferece sigilo fiscal.  Se fosse, a reportagem não teria conseguido obter tantas informações.

Outros países que conheço são muito mais discretos.

Mas não se enganem. Quem quer realmente lavar dinheiro começa por cometer ilegalidades no Brasil, por meio de doleiros, tráfico de pedras preciosas, etc. Quem escolhe paraísos fiscais geralmente tem um plano mais sofisticado,  muitas vezes, totalmente legítimo e legal. Quem escolhe o Panamá é praticamente um santo.

A única coisa estranha nessa história é que 20 mil realmente é um salário alto para um membro de um partido socialista. Os socialistas deveriam distribuir 80% de sua renda para os pobres, antes de pensar em instituir impostos.   Mas é só.


Leia também:  Uruguai: o mítico paraíso fiscal

Um comentário:

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