terça-feira, 9 de outubro de 2012

A LEI BRASILEIRA DE ARBITRAGEM E A LEI MODELO DE ARBITRAGEM DA UNCITRAL: UMA COMPARAÇÃO


1.   INTRODUÇÃO


O intuito desta obra é proceder a um estudo comparativo entre os principais institutos da Lei Brasileira de Arbitragem (Lei n. 9.307/96) e da Lei Modelo de Arbitragem Internacional publicada pela Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional (a seguir, Uncitral), a fim de verificar a possibilidade de adoção da Lei Modelo para regular arbitragens processadas ou executadas no Brasil.
Nesse passo, propõe-se iniciar o trabalho com uma apresentação sobre a Uncitral, aliada a um breve relato histórico dos dois textos normativos. Estas informações comporão o capítulo 2 desta monografia.
 Em seguida, no capítulo terceiro, partir-se-á para o estudo do âmbito de aplicação dos dois diplomas, a fim de averiguar quais são os conflitos passíveis de regulação segundo cada um deles. Para este fim, os textos serão estudados quanto às relações materiais que abrangem e também quanto à sua possibilidade de aplicação nos âmbitos interno e internacional.
Posteriormente, no capítulo quarto, serão analisadas, comparativamente, a formação da relação arbitral segundo a Lei 9.307/96 e segundo a Lei Modelo da Uncitral. Neste tópico, serão estudadas as formas de execução compulsória da cláusula arbitral quando não há concordância da outra parte, além dos requisitos mínimos necessários para a formação e validade do tribunal arbitral.
Continuando o estudo, o capítulo 5 enfrentará o tema dos poderes e atribuições do sistema judiciário sobre o procedimento arbitral sob a ótica dos dois sistemas. Neste ponto, levantar-se-ão questões a respeito da concessão de medidas cautelares pelo judiciário a fim de proteger o procedimento arbitral, além dos requisitos e procedimentos cabíveis quanto à execução das sentenças arbitrais, em um e outro texto.
Por fim, a conclusão trará o resultado das investigações, respondendo à questão proposta inicialmente, qual seja, se a Lei 9.307/96 e a Lei Modelo da Uncitral são diplomas compatíveis sob a égide do ordenamento jurídico brasileiro.



2. HISTÓRICO
2.1       CONTEXTO DA ARBITRAGEM INTERNACIONAL NO BRASIL


A arbitragem é o método de solução de controvérsias mais comumente adotado no comércio internacional. As características da celeridade e informalidade, aliadas à possibilidade de escolha da lei aplicável, tornam a arbitragem um método extremamente atraente e seguro para aqueles que lidam com as incertezas do comércio internacional.
A importância da arbitragem no comércio internacional pode ser percebida também pela quantidade de tratados e acordos existentes sobre o assunto. Nesse sentido, podem-se listar o Protocolo de Genebra de 1923, a Convenção de Gênova de 1927 e a Convenção de Nova Iorque de 1958, como resultados notáveis do esforço mundial pela padronização da arbitragem internacional. Contudo, a prática encarregou-se de elaborar várias críticas a todos estes diplomas, de maneira que ainda subsistia a busca por um modelo internacional eficiente e harmônico para a arbitragem comercial internacional.
Um comitê formado por representantes de 58 países, incluindo o Brasil, e 18 organizações internacionais, presidido pela Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional, discutiu, durante três anos, os termos de uma lei-modelo sobre arbitragem.  O objetivo não era unificar a matéria através de uma convenção internacional, mas buscar a harmonização das diversas legislações internas.
A Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução n.40/72, de 11.12.1985, aprovou o texto final dessa Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional.
Por contar com a adesão de países que movimentam dois terços do comércio mundial, a Lei Modelo da Uncitral foi um sucesso retumbante. Seu texto solucionou várias falhas das convenções anteriores, além de influenciar a revisão dos regulamentos arbitrais das principais câmaras de arbitragem do planeta. Além disso, influenciou grande parte das legislações internas sobre arbitragem, promulgadas após sua aprovação. A Lei Modelo aborda a Arbitragem desde sua formação até a execução da sentença arbitral, constituindo um código relativamente completo de procedimentos.
O Brasil assinou o Protocolo de Genebra, em 1923. É também signatário da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional (Panamá, 1975) promulgada, finalmente, no Brasil, para ser executada e cumprida, em 9 de maio de 1996. Mais recentemente, em2002, o país reconheceu a convenção de Nova Iorque. E, embora não tenha adotado o texto da Uncitral, a Lei 9.307/96, que regula a arbitragem, tem sua gênese nos preceitos dessa Lei Modelo.
Pelo exposto acima, pode-se observar que é a partir de 1996 que o Brasil dá impulso à sua regulamentação sobre Arbitragem Internacional. Isso fica ainda mais claro ao se constatar que, antes da Lei 9.307/96, a legislação pátria sobre arbitragem era excessivamente burocrática e pouco confiável, além de demasiadamente dependente do poder judiciário. Se, em parte, esse revigoramento da Arbitragem no país é motivo de orgulho, deve-se também lembrar que o Brasil iniciou-se no tema com algumas décadas de atraso. Exemplo cristalino é a adoção tardia da Convenção de Nova Iorque, fundamental para a execução das sentenças arbitrais internacionais, e que só foi ratificada 40 anos após sua criação.
A produção intelectual do país a respeito do tema acompanhou o novo sopro de vida trazido pela lei 9.307/96. Farto material foi publicado estudando os dispositivos da norma, além de grande número de escritos que procuravam acompanhar a evolução jurisprudencial do entendimento sobre a lei, geradora de interessante debate no palco do STF.
Atualmente, a doutrina pátria ocupa-se com competência de temas atuais dentro da Arbitragem Internacional, tais como a Arbitragem na solução de conflitos entre investidores estrangeiros e o Estado ou a arbitragem na solução de conflitos internos em consórcios de empresas. 
Todavia, apesar de existirem muitos artigos explorando temas pontuais, poucas obras fazem sistemático e comparativo entre a Lei Brasileira e as convenções internacionais. Principalmente no caso da Lei Modelo da Uncitral, é escassa a literatura pátria.
Cumpre ressaltar que a falta de informações sobre o tema pode gerar insegurança para os empresários brasileiros, uma vez que é comum a celebração de contratos internacionais contendo cláusulas arbitrais que remetam à Lei Modelo da Uncitral ou a regramentos arbitrais diretamente nela baseados.
Com o intuito de auxiliar o suprimento dessa lacuna na Doutrina nacional, constitui objetivo da presente monografia realizar um estudo sistemático dos principais institutos da Lei Modelo da Uncitral. Este estudo, todavia, não seria mais que uma repetição da literatura estrangeira se este fosse seu único objetivo. Assim, pretende-se também comparar os institutos da Lei Modelo com a Lei Brasileira de arbitragem, identificando problemas e/ou eventuais incoerências, além de propor soluções.

 2.2       A UNCITRAL


A Uncitral é um órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), criado com o objetivo de elaborar normas jurídicas harmônicas e homogêneas, passíveis de serem adotadas internacionalmente, a fim de reduzir os obstáculos que a diversidade de legislações causa ao comércio internacional.
Segundo informações encontradas no site www.uncitral.org[1]:

A Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional (Uncitral) foi estabelecida pela Assembléia Geral em 1966 (Resolução 2205(XXI) de 17 de Dezembro de 1966). Ao estabelecer a Comissão, a Assembléia Geral reconheceu que disparidades nas leis nacionais que governam o comércio internacional criaram obstáculos para o fluxo do comércio, e reconheceu a Comissão como o veículo com o qual as Nações Unidas poderiam representar um papel mais ativo em reduzir ou remover estes obstáculos. A Comissão tornou-se desde então o corpo legal central do sistema das Nações Unidas no campo do direito comercial internacional. A Comissão é composta de 60 estados membros eleitos pela Assembléia Geral. O quadro de membros é estruturado de forma a ser representativo das várias regiões geográficas do mundo e também dos principais sistemas jurídicos e econômicos. Membros da Comissão são eleitos por mandatos de 6 anos, os mandatos de metade deles expirando a cada três anos. A Comissão executa seus trabalhos em sessões anuais, que são realizadas alternadamente na sede das Nações Unidas  em Nova Iorque e no Centro Internacional de Viena, em Viena. Cada grupo de trabalho da comissão tipicamente realiza uma ou duas sessões a cada ano, dependendo da matéria a ser coberta; essas sessões também se alternam entre Nova Iorque e Viena. Além dos estados membros, todos os estados não membros da comissão, assim como organizações internacionais interessadas, são convidadas a comparecer às sessões da Comissão e de seus grupos de trabalho como observadores. Aos observadores é permitido participar nas discussões da Comissão e de seus grupos de trabalho da mesma forma que os membros. As áreas em que a Comissão tem trabalhado ou trabalha e os maiores resultados desse trabalho estão listados abaixo:
Arbitragem e Conciliação Comercial Internacional
Venda Internacional de Bens (CISG) e Transações Relacionadas
Insolvência
Pagamentos Internacionais
Transporte Internacional de Mercadorias
Comércio Eletrônico
Desenvolvimento de abastecimento e infra-estrutura
Penalidades e Danos Liquidados

            É interessante mencionar que o Brasil é atualmente um dos países membros da Uncitral, com mandato até 2007.
            Concluída a breve explanação sobre a Uncitral, cumpre agora verificar as origens de sua Lei Modelo sobre arbitragem internacional.


2.3 HISTÓRICO DA “UNCITRAL MODEL LAW ON INTERNATIONAL COMMERCIAL ARBITRATION”.


A Lei Modelo da Uncitral sobre arbitragem comercial internacional foi adotada pela Uncitral em 21 de junho de 1985, no fechamento da 18º sessão anual da comissão. A assembléia geral, em sua resolução 40/72 de 11 de dezembro de 1985 recomendou que:

todos os Estados dêem devida consideração à Lei Modelo sobre arbitragem comercial internacional, em vista do desejo de uniformidade da direito dos procedimentos arbitrais e das necessidades específicas da prática do comércio internacional (UNCITRAL, 1985).

Segundo as declarações constantes da nota explicativa[2] promulgada pela Uncitral acerca da Lei Modelo[3]:

A Lei Modelo constitui uma base saudável e promissora para a desejável harmonização e desenvolvimento das leis nacionais. Ela cobre todos os estágios do processo arbitral desde a convenção de arbitragem até o reconhecimento e execução da decisão arbitral e reflete um consenso mundial sobre os princípios e temas importante da prática internacional da arbitragem. Ela é aceitável para Estados de todas as regiões e diferentes sistemas legais e econômicos do mundo.
(...)
A Lei Modelo foi projetada para cobrir preocupações relativas ao estado corrente das leis nacionais sobre arbitragem. A necessidade de desenvolvimento e harmonização é baseada na descoberta de que as leis domésticas são em geral inapropriadas para casos internacionais e que existe considerável disparidade entre elas.

Quanto à extensão da influência da Lei Modelo da Uncitral, cabe consultar as informações trazidas por José Augusto Delgado, em artigo que trata da arbitragem no Brasil[4], mas que faz referência introdutória à Lei Modelo:

Ao comentar, a seguir, a decisão da UNCITRAL que, em 11/12/1985, pela Resolução nº 40/72, em sua Assembléia Geral na 112ª Reunião, aprovou uma Lei Modelo de Arbitragem, afirmou, ainda, José Maria Rossani Garcez, pág. 172, ob. citada, que:
Além das Regras sobre Arbitragem antes referidas, a Uncitral aprovou, pela Resolução nº 40/72, em sua Assembléia Geral na 112ª Reunião Plenária, de 11 de dezembro de 1985, uma Lei-Modelo de Arbitragem, preparada em regime de consultas com entidades arbitrais e experts internacionais da área, com o objetivo de poder ser aceita e adaptada pelos Estados e assim contribuir para o desenvolvimento harmônico das relações comerciais e a criação de um framework internacional. A Lei-Modelo, em 36 artigos, se aplica à arbitragem comercial internacional, ficando esclarecido, em nota de rodapé ao numeral (1) do artigo primeiro, que ao termo ‘comercial’ é dada uma ampla interpretação, para cobrir todas as relações de natureza comercial, sejam elas contratuais ou não
Um estudo levado a efeito pelo Professor Pieter Sanders (Professor emeritus na Universidade de Rotterdam, artigo constante do vol. II nº 1 do Arbitration International, LCIA, 1995), registra que o impacto da Lei-Modelo é tão elevado que praticamente nenhum Estado que tenha modernizado seu sistema legislativo sobre arbitragem, após a sua edição, teria, inter alia, deixado de levá-la em consideração. Alguns Estados adotaram a Lei-Modelo por inteiro, outros se adaptaram a maior parte de suas provisões, de forma que existem países que podem ser caracterizados como países da Lei-Modelo (Model Law countries). Uma lista de 14 desses países que adotaram os standards da Lei-Modelo no período compreendido entre 1986 e 1994 é apresentada nesse estudo como adiante se reproduz, com registro do ano da adoção: Canadá (1986); Chipre (1987); Bulgária e Nigéria (1988); Austrália e Hong Kong (1989); Escócia (1990); Peru (1993); Bermuda, Federação da Rússia, México e Tunísia (1993); Egito e Ucrânia (1994). Além desses países, oito Estados norte-americanos adotaram também os padrões da Lei-Modelo: Califórnia, Connecticut, Florida, Georgia, North Carolina, Ohio, Oregon e Texas.
Até 1995, quando o estudo do Professor Pieter Sanders foi realizado, 22 países haviam promulgado leis internas sobre arbitragem adaptando-as, substancialmente, aos padrões da Lei-Modelo (DELGADO, 2003).

Atualmente, a influência da Lei Modelo já é bem maior, tendo sido adotada por variados países de todo o mundo[5], o que prova sua capacidade de integrar os princípios mais modernos e eficientes relativos à arbitragem comercial internacional.
  

2.4 HISTÓRICO DA LEI BRASILEIRA DE ARBITRAGEM

  
O cenário da arbitragem no Brasil, antes do advento da Lei. 9.307/96, era bastante adverso à difusão dessa modalidade de resolução de conflitos. A regulamentação do instituto, notadamente a contida no Código de Processo Civil, não oferecia segurança aos contratantes a respeito do cumprimento da cláusula arbitral pela outra parte.
Nesse sentido, Carlos Alberto Carmona:

A cláusula arbitral ou cláusula compromissória – dispositivo contratual onde as partes prevêem que resolverão eventuais disputas surgidas em determinado negócio jurídico através da arbitragem – foi totalmente desprestigiada no direito interno brasileiro até o advento da lei 9.307/96, de tal sorte que o Código de Processo Civil não permitia a instauração do juízo arbitral a não ser na presença do compromisso arbitral, único instrumento a autorizar a exceção de que tratava o art. 301, X, do Estatuto de Processo, em sua versão original. Nesta esteira, entendiam os tribunais pátrios que o desrespeito à cláusula arbitral não permitia a execução específica de obrigação de fazer, resolvendo-se o inadimplemento em perdas e danos, reconhecidamente de difícil liquidação. Em outras palavras, a doutrina e a jurisprudência praticamente transformaram o pacto de contrahendo (cláusula compromissória) em verdadeiro pactum nudum, contribuindo para que os agentes do comércio internacional (especialmente estes!) abandonassem a escolha da solução arbitral de controvérsias no Brasil (CARMONA, 1998, p. 17).

A respeito da necessidade de ser criada uma cultura da arbitragem no País, pertinentes as observações feitas por Cláudio Vianna de Lima, em artigo publicado no Correio Braziliense, Caderno “Direito & Justiça”, no sentido de que:

Até o advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, a arbitragem foi, notoriamente, maltratada pelo Direito Positivo no Brasil. A conseqüência é a falta de uma prática do instituto e de uma “cultura arbitral” em nosso país. Não se acredita na arbitragem. Só se admite a justiça feita pelo Estado, nada obstante a crise universal, do Judiciário, a delonga das decisões judiciais, a injustiça manifesta que representam as decisões retardadas, a conseqüente inocuidade, na maioria das vezes, dessas sentenças e a impunidade freqüente de infrações penais (LIMA, 1998, p.8)

Apesar das falhas na legislação interna, existiram tentativas de se popularizar a arbitragem em nosso país. Este movimento pode ser percebido no campo internacional, no qual já foram assinados vários tratados sobre o tema. O primeiro grande passo dado pelo Brasil deu-se com a adesão ao Protocolo de Genebra, de 24 de setembro de 1923. A ratificação no Brasil foi publicada, juntamente com o texto do acordo, pelo Decreto n. 21.187, de 22/03/1932, sendo ordenada a sua execução no território nacional. 
Além do Protocolo de Genebra, o Brasil também aderiu à Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, concluída em 30/01/1975, na cidade do Panamá (ratificada pelo Decreto Legislativo n. 90/95, de 6 de junho de 1995), ao Acordo sobre arbitragem comercial internacional do Mercosul, de 1998 (aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 25, de 29/12/200), e à Convenção de Nova Iorque, de 10 de junho de 1958, sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras, ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 52, de 25/04/2002, e pelo Decreto n. 4.311, de 23/07/2002.
Simultaneamente, foram apresentados projetos de lei de arbitragem, que também procuraram modificar o tratamento dispensado a este instituto e, principalmente, à cláusula de arbitragem no Direito Interno. O primeiro projeto foi levado ao Congresso em 1981. O segundo, em 1986 e o terceiro, em 1988. Mas foi o quarto projeto, de 1992, que contava com o apoio do então Senador Marco Maciel, que acabou sendo aprovado e transformou-se na Lei. 9.307/96.
Conforme anota Pedro Batista Martins, os mentores da Lei nº 9.307, de 23/09/96, foram inspirados pelo trabalho elaborado pela UNCITRAL, sem se deixar de mencionar que também receberam influências da Convenção de Nova Iorque de 10/06/1958 sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, como também da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional do Panamá de 30/01/1975 (MARTINS, 1995, p.58-59).
Em boa hora veio a Lei nº 9.307, principalmente no que diz respeito à inserção do Brasil num cenário internacional já habituado à solução dos conflitos pela via arbitral. Nas palavras de Humberto Theodoro Junior:

Como o Brasil tinha sérios compromissos internacionais de viabilizar o juízo arbitral, principalmente em função dos mercados comuns a que se integrou ou a que se ligou, tornou-se imperiosa a necessidade de modernizar a legislação interna acerca da arbitragem. Assim, adveio a Lei nº 9.307, de 23/09/96, que revogou toda a disciplina localizada no interior do Código Civil e do Código de Processo Civil, e que tratava do tema (THEODORO JÚNIOR, 1998, p. 360).

Também no âmbito interno, a recepção da nova lei foi festejada pela doutrina.

[a lei 9.307] não só inova na matéria, mudando substancialmente o quadro até então existente, como também reflete o esmero científico que se lhe buscou dar, dentro de um figurino moderno e afinado com os modelos mais atualizados da técnica contemporânea (TEIXEIRA, 1992, p. 82).

Todavia, a recepção da nova lei de arbitragem pelo ordenamento jurídico enfrentou ainda um empecilho. Questionava-se se a adoção da modalidade arbitral constituiria ou não violação ao mandamento do art. 5º, inciso XXXV da Constituição, na medida em que a lei de arbitragem estaria furtando do judiciário o poder de atuar nas lides submetidas à arbitragem.
Por ser tema de especial relevância, a discussão sobre a constitucionalidade da Lei de Arbitragem será abordada de maneira específica, no tópico abaixo.


2.4.1 A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 9.307/96


O estopim da discussão sobre a constitucionalidade da Lei 9.307/96 foi o posicionamento do Ministro Sepúlveda Pertence, do STF, que levantou a questão incidentalmente no julgamento do processo de homologação de sentença estrangeira n. 5.206-7.

As questões constitucionais suscitadas em torno da cláusula compromissória decorrem de dois argumentos levantados de ofício pelo Ministro Sepúlveda Pertence nos autos da Sentença Estrangeira nº 5.206 – Reino da Espanha. De acordo com o ilustre Ministro, a instância arbitral instituída a partir de mera cláusula compromissória pode afrontar, em certos casos, o preceito normativo no artigo 5º, XXXV da Constituição. Ademais, argumenta admitir a possibilidade de execução específica das cláusulas compromissórias em branco significa substituir a vontade das partes pela decisão do magistrado (WALD, 2001, p.73).

De acordo com Marco Aurélio Gumieri Valério, a questão levantada pelo Ministro refere-se não propriamente à constitucionalidade da arbitragem que pode ser considerada ponto pacífico de discussões, mas refere-se à constitucionalidade da principal inovação introduzida na legislação especial, qual seja, a executoriedade da cláusula arbitral prevista no parágrafo único do art. 6º e, no art. 7º, em seus sete parágrafos. (Valério, 2002)
O voto do relator, Ministro Sepúlveda Pertence[6], acompanhado pelo Ministro Sidney Sanches, reconhece a constitucionalidade da arbitragem, porém, considera inconstitucionais os dois artigos, porque:

Sendo a Vontade da parte, manifestada na cláusula compromissória, insuficiente – dada a indeterminação do seu objeto – e, pois, diversa de necessária a compor o consenso exigido à formação do compromisso, permitir o suprimento judicial seria admitir a instituição de um juízo arbitral com dispensa da vontade bilateral dos litigantes, que, só ela, lhe pode emprestar legitimidade constitucional: entendo nesse sentido a lição de Pontes (ob. Cit., XV/224) de que fere o princípio constitucional invocado – hoje, art. 5, XXXV, da Constituição – atribuir, ao compromisso que assim se formasse por provimento judicial substitutivo do assentamento de uma das partes, eficácia fora do que é a vontade dos figurantes em se submeterem. Não posso fugir, desse modo, à declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 6º e do art. 7º da Lei de Arbitragem e, em conseqüência, dos outros dispositivos que delas derivam (...)

Posteriormente o Ministro Maurício Corrêa também apreciou a matéria, divergindo, todavia, do voto do Ministro Sepúlveda Pertence.

Ademais, estou admitindo que a tese da inexeqüibilidade da cláusula compromissória põe-se em confronto com o Código Civil, que prevê situações em que o objeto do contrato não é determinado, mas determinável, sendo necessário concretizar a vontade das partes e não substituí-la, como também entende Antônio Junqueira de Azevedo (...). É por essa razão que volto a insistir em que negar à parte interessada acesso ao Judiciário para pedir proteção a seu direito seria ofensivo ao princípio da inafastabilidade da prestaçaõ jurisdicional (CF, artigo 5º, XXXV). (...) Feitas essas considerações, não vejo como possa prosperar a declaraçao de inconstitucionalidade dos preceitos impugnados. Ao contrário, considero-os mecanismo de suma importância, hodiernos e indispensáveis ao aperfeiçoamento de nosso sistema jurídico, a exemplo do que se cristalizou, há muito, na legislaçao da maioria dos Estados democráticos, como instrumento alternativo, eficaz e célere para a composição de litígios. (grifos nossos)[7]

            Para finalizar, interessam as seguintes considerações feitas ao voto do Ministro Nelsom Jobim

O voto do Ministro Nelos Jobim esclareceu bem a matéria, fazendo a oportuna distinção entre cláusulas compromissórias cheias e vazias (ou “em branco”) e salientando que só existe convenção de arbitragem em relação a divergências referentes a contratos específicos, nos precisos termos do art. 4º da Lei. Em seguida, afirmou que a ação prevista no art. 7º não se aplica ao caso no qual há prévio acordo sobre a forma da arbitragem, seja em virtude de definição da mesma pelas partes, seja em decorrência da aplicação de regulamento de entidade especializada. (...) Salientou o voto que a consensualidade ocorre no momento em que é estipulada a cláusula compromissória, abrangendo eventuais conflitos futuros determináveis (...) Não há assim, renúncia abstrata à jurisdição, pois não se admite cláusula compromissória pura, autônoma ou absoluta, fora do âmbito específico de um contrato (DELGADO, 2002, P. 408).

Os dois últimos posicionamentos mencionados apresentaram os argumentos básicos da tese que acabou vitoriosa, a da constitucionalidade da Lei de Arbitragem.  A decisão do STF foi prolatada em 2001, colocando um ponto final nessas discussões e declarando constitucionais todos os artigos da nova lei de arbitragem.
Com esse resultado, foram atendidas as vozes da doutrina nacional, que, de forma quase unânime, sempre foi favorável à constitucionalidade da arbitragem.

A Lei 9307/96 não deixa margem a qualquer dúvida, quanto a sua constitucionalidade, porquanto o artigo 25 comanda que, sobrevindo, no curso da arbitragem, dissensão acerca de direitos indisponíveis, de cuja existência ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral mandará as partes, para o Juízo competente.Neste sentido, a opinião dos doutos, destacando-se: Célio Borja, Frederico Marques e Hamilton de Moraes e Barros, apreciando a lei anterior, e, atualmente, José Janguiê Bezerra Diniz, Geraldo Brindeiro, Cláudio Vianna de Lima, Fátima Nancy Andrighi, Cláudio Santos, Carlos Pinto Coelho Motta, Carlos Mário da Silva Velloso , (...) Celso Barbi Filho, Arnoldo Wald, Regina Michelon e Jones Figueiredo Alves (SZKLAROWSKY, 2004).


3. ÂMBITO DE APLICAÇÃO DOS DIPLOMAS
3.1 A QUESTÃO DOS DIREITOS PATRIMONIAIS DISPONÍVEIS NA LEI 9.307/96


O art. 1º da Lei 9.307/96 dispõe:

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Dessa forma, o âmbito de aplicação da arbitragem, segundo a Lei Brasileira, abrange, unicamente, o campo dos direitos patrimoniais disponíveis. Cabe aqui, portanto, expor o que se tem entendido por esta expressão, ademais de sentido tão lato, a fim de que haja bases para uma efetiva comparação entre a Lei Brasileira e a Lei Modelo da Uncitral.
Belizário Antônio de Lacerda traz a seguinte definição para o termo:

Direito Patrimonial Disponível é todo aquele direito que, advindo do capital ou do trabalho, ou da conjugação de ambos, bem como ainda do proventos de qualquer natureza, como tais entendidos os acréscimos patrimoniais não oriundos do capital ou do trabalho ou da conjugação de ambos, pode ser livremente negociado pela parte, eis que não sofre qualquer impedimento de alienação, quer por força da lei, quer por força de ato de vontade. (LACERDA, 1998, p. 40).

Direitos patrimoniais são aqueles que podem ser considerados em sua expressão econômica, como leciona João Roberto Parizatto:

direitos patrimoniais devem ser entendidos como aqueles que possuem por objeto um determinado bem, inerente ao patrimônio de alguém, tratando-se de bem que possa ser apropriado ou alienado. Patrimônio indica o complexo de bens, materiais ou não, direitos, ações, posse e tudo o mais que pertença a uma pessoa ou empresa e seja suscetível de apreciação econômica. (PARIZATTO, 2000, p.16.)

Portanto, para que possam ser objeto da arbitragem, os direitos devem ser suscetíveis de livre disposição de seus titulares, via de regra. Contrariamente, as relações jurídicas que contemplem natureza jurídica extrapatrimonial e indisponível, não integram o conteúdo de convenção arbitral, bem como as coisas comuns, as públicas e as fora de comércio, por imposição da lei. Estão fora do âmbito da arbitragem questões ligadas, basicamente, ao Direito Público, como o Direito Constitucional, o Direito Penal e o Direito Administrativo.
Em síntese:

pode-se dizer que a lei exclui como objeto do juízo arbitral as relações que não dizem respeito ao Direito Privado, não podendo o árbitro decidir sobre questões de ordem pública como os direitos da personalidade, os direitos de poder e de estado; as questões de família, falência, de incapazes e outras que, acima de tudo, ainda exigem a participação obrigatória do Ministério Público, e as questões que se submetem a procedimentos de jurisdição voluntária, dada a natureza pública que existe em todos esses procedimentos. (BAZO, 2004).

Apesar da consistência das opiniões colacionadas acima, deve-se mencionar que ainda restam alguns campos cinzentos na definição do que pode ou não ser arbitrado, à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Nessa situação encontram-se, por exemplo, as relações trabalhistas não coletivas e as questões relativas à propriedade industrial.
Quanto à arbitrabilidade na área de propriedade industrial, é interessante considerar:

Na área específica de conflitos referentes à propriedade intelectual verificamos que toda controvérsia meramente obrigacional decorrente dos contratos em geral, contrato de licença para exploração de patente, cessão de uso de marca, franquia, e outros podem ser arbitráveis. Todavia, observe-se que há determinadas questões, nesta área, que são sensíveis. Neste sentido podemos ter como norte o seguinte: com exceção do contencioso versando sobre a anulação de titulo de patente e de outras questões que o interesse público esteja presente, tudo mais pode ser arbitrado, tais como, as repercussões patrimoniais nos contratos de licenças, de cessão de uso, no contencioso envolvendo a exploração da patente ou de marca podem ser submetidos à arbitragem. As controvérsias referentes a pagamentos de quantias adequadas, indenizações, obrigações assumidas; enfim, todos os efeitos patrimoniais oriundos de obrigações assumidas podem ser solucionados por arbitragem. Mas há de ser observado que a questão da arbitrabilidade objetiva, nesta área, encontra limites, tal como referido pelo Professor Fróes, ao comentar trabalho elaborado pelo professor inglês Lew. O primeiro óbice previsto, em algumas legislações, é a discussão quanto à validade de um direito, a caducidade da patente ou a concessão da licença obrigatória, que somente podem ser discutidas perante as Cortes Oficiais, por envolver interesse público relevante, uma questão de ordem pública, considerando que as discussões sobre validade de uma patente transcende os lindes do interesse privado. (LEME, 2003).

A partir do excerto acima, pode-se extrair o entendimento de que, em sede de relações que envolvem matérias públicas e privadas, é essencial que se analise quais aspectos cabem às matérias de ordem pública, aos direitos indisponíveis e quais aspectos podem ser enquadrados na noção de direitos patrimoniais transacionáveis. Feita essa análise, poder-se-á deduzir o que é ou não passível de arbitragem.
Passando à área trabalhista, encontra-se um panorama de contornos menos firmes e de maior divergência doutrinária. Segundo afirma Dayse Coelho de Almeida

A doutrina brasileira encontra-se dividida no tocante à aplicabilidade da arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas. Também diverge bastante sobre a indisponibilidade das normas trabalhistas, porque conceito direito público e norma de ordem pública, para alguns, tem diferenças, como assenta VASCONCELOS (1999, p 238). Ambas as situações traduzem graus diferentes de interesse público. A presença do Estado como parte da relação jurídica e o respectivo conteúdo definem a relação de direito público. Já a norma de ordem pública, apresenta-se como limitação da autonomia da vontade das partes na definição do conteúdo da relação jurídica objeto da avença (de natureza privada) celebrada entre as mesmas. Assim as normas cogentes incidentes na relação jurídica de direito individual de trabalho, celebrada entre particulares (trabalhador e empregador), são normas de ordem pública, em função do grau de interesse público vislumbrado nesta espécie de relação jurídica. Mas, a relação de trabalho é de natureza privada, não tendo lugar a objeção quanto à impossibilidade de adoção do instituto da arbitragem neste campo, sob a alegação de que se trata de ramo de direito público, cuja indisponibilidade é característica fundamental (ALMEIDA, 2006).

Todavia, apesar das divergências teóricas sobre o assunto, certo é que a arbitragem em terreno trabalhista tem representando expressiva parcela do total de procedimentos arbitrais conduzidos pelas câmaras de arbitragem brasileiras.  É o que se conclui a partir das informações divulgadas pelo Conselho Arbitral do Estado de São Paulo -CAESP, relativas ao ano de 2005, na tabela a seguir:

Tabela 1
Número de procedimentos arbitrais por área
Natureza
Qtde no Período
Incidência% no Período
Quantidade Acumulada
Incidência % na Qt. Acumulada
Cíveis
430
14,03%
2.721
13,77%
Comerciais e outros
756
24,69%
2.991
15,14%
Trabalhistas
1.877
61,28%
14.050
71,10%
Total
3.063
100,00%
19.762
100,00%
Fonte: www.caesp.org.br

Para os objetivos deste trabalho, felizmente, é possível contar com a opinião pacífica da doutrina acerca da arbitrabilidade dos conflitos relativos aos direitos patrimoniais disponíveis.
Dentre estes, a toda evidência, incluem-se os litígios decorrentes de relações comerciais, sejam elas nacionais ou internacionais.  A partir dessa base, pode-se proceder ao estudo da esfera de aplicação da Lei Modelo da Uncitral, o que se faz no próximo item.


3.2 ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI MODELO DA UNCITRAL QUANTO Á MATÉRIA


O art. 1º da Lei Modelo busca definir seu escopo de aplicação.

Artigo 1. Escopo de aplicação
(1)A presente Lei aplica-se á arbitragem comercial** internacional; ela não contende com qualquer acordo multilateral ou bilateral a que o presente Estado se encontra vinculado.[8]

Uma nota explicativa, no próprio artigo 1º, traz um direcionamento interpretativo sobre o que se poderia tomar por “arbitragem comercial”:

Ao termo “comercial” deve ser dada uma ampla interpretação, a fim de cobrir assuntos provenientes de todas as relações de natureza comercial, sejam elas contratuais ou não. Relações de natureza comercial incluem, mas não estão limitadas a, as seguintes transações: qualquer transação de venda para o fornecimento ou troca de bens ou serviços; acordos de distribuição; representação comercial ou agência, factoring; leasing; construção civil; consultoria; engenharia; licenciamento; investimento; financiamento; contratos bancários; seguros; acordos de exploração ou concessão; joint-ventures e outras formas de cooperação negocial ou industrial; transporte de bens ou passageiros via aérea, marítima, ferroviária ou terrestre.[9]

Ressalta-se, à primeira vista, a abrangência do conceito, representada pela longa lista de categorias exemplificativas. Antes de analisar em profundidade a extensão do conceito, interessa expor o que a própria comissão de redação da Lei Modelo pretendeu ao delimitar limites tão amplos para a aplicação da Convenção. Esta informação está disponível no site da Uncitral[10], sob o título de Notas Explicativas (Explanatory Notes) ao texto final.

(...) A nota de rodapé do artigo 1 prevê uma lista ilustrativa de relações que devem ser consideradas comerciais, dessa forma enfatizando a amplitude da interpretação sugerida e indicando que o teste determinante não está baseado no que a lei nacional possa considerar como “comercial”.[11]

A partir deste excerto, pode-se concluir que o objetivo do Lei Modelo foi ser o mais abrangente possível dentro do que pode ser considerado uma relação comercial. Dessa forma, o texto serve a vários objetivos. Em primeiro lugar, demonstra ser claramente aplicável àqueles ordenamentos em que somente disputas de teor comercial podem ser arbitráveis, ou seja, o texto mostra-se aplicável naquelas países em que existe uma regulação apartada e específica para as relações comerciais.
Ao mesmo tempo, a definição fornece balisas amplas para os países, a exemplo do Brasil, em que a regulação da arbitragem não está adstrita formalmente a um tipo de matéria, mas a um conjunto de preceitos, como a ordem pública, os interesses civis, as relações contratuais, dentre outros. Nesses casos, o texto da Lei Modelo direciona o entendimento do intérprete, levando a crer que não serão arbitráveis todos os contratos, mas somente aqueles imbuídos de cunho comercial. Outros tipos de contratos, como o pacto antenupcial, ainda que arbitráveis sob os preceitos de determinado ordenamento jurídico, estarão fora do escopo de aplicação da Lei Modelo.
Neste particular, é interessante mencionar o posicionamento de Alan Redfern e Martin Hunter, os quais, ao discorrer sobre o uso do termo “comercial” nas convenções internacionais que tratam sobre a arbitragem, dizem:

Ela serve, por exemplo, para distinguir arbitragem internacional relativa a negócios ou disputas comerciais, de arbitragens internacionais entre estados envolvendo disputa de fronteiras e outros assuntos políticos. Ela também serve para distinguir as primeiras das arbitragens (que são, usualmente, mas não necessariamente domésticas) relativas a matérias como direitos reais de propriedade, emprego e direito de família. (...) Problemas ocasionalmente ocorrem porque cortes de alguns países adotam uma definição estreita do que é comercial, mas a abordagem geral, internacionalmente, é definir “comercial” de modo a abarcar todos os tipos de venda ou transações comerciais.(REDFERN; HUNTER, 1999, p. 18).[12]


Buscando evitar desde logo os conflitos normativos com as ordens públicas internas dos países em que venha a ser aplicada, a Lei Modelo traz, em seu artigo 1º, parágrafo 5º, a seguinte disposição:

(5) A presente Lei não contende com qualquer outra lei do presente Estado em virtude da qual certos litígios não posam ser submetidos à arbitragem ou apenas o possam ser por aplicação de disposições diferentes das da presente Lei.[13]

De modo geral, tem-se que a Lei Modelo aplica-se a todas as transações comerciais, amplamente consideradas, desde que a lei interna do país não apresente restrições à arbitrabilidade dessas matérias.
Confrontando a noção de “Comercial” da Lei Modelo com a de “direitos patrimoniais disponíveis” da Lei Brasileira, a conclusão a que se chega é que são conceitos em grande parte semelhantes, todavia contando com algumas áreas de divergências.
Iniciando pelas áreas comuns, tem-se que, para todos os contratos privados de compra e venda, troca, aluguel, financiamento, seguros, prestação de serviços por pessoas jurídicas, transporte de bens para os quais não se exija licença especial, acordos de acionistas, acordos de cooperação entre empresas, contratos de empreitada, locação, entre outros, inumeráveis dada sua versatilidade, tanto a Lei Brasileira quanto a Lei Modelo são aplicáveis.
Os contratos trabalhistas, por sua vez, podem ser classificados na zona de divergência entre os diplomas. A doutrina, conforme o excerto citado, não aponta as relações trabalhistas/empregatícias em geral como integrante do conceito de relação comercial. Com efeito, situações como o trabalho doméstico ou a negociação entre sindicatos, muito embora envolvam direitos patrimoniais e sejam efetivamente arbitradas no Brasil, dificilmente poderiam se enquadrar no mesmo conceito de relação comercial utilizado pelo artigo 1º da Lei Modelo.
É o que se pode extrair do documento “Analytical Commentary on the Draft Text of a Model Law on International Commercial Arbitration”, produzido pela Uncitral, quando diz, em comentário ao artigo primeiro da Lei Modelo:

Também sob o conceito do comercial estariam transações como o fornecimento de energia elétrica, transporte de gás natural via gasoduto e mesmo não-transações, como ações por danos provenientes de um contexto comercial. Não cobertas pelo conceito estariam, por exemplo, disputas envolvendo trabalho ou emprego, e queixas consumeristas ordinárias, apesar de sua relação com os negócios[14].

O excerto acima, além de clarificar o posicionamento quanto à questão trabalhista, também introduz o tema das arbitragens envolvendo direitos do consumidor.
Autores como Carter[15] apontam que as relações consumeristas não podem estar sujeitas à arbitragem sob as regras da Uncitral, apesar de estarem ligadas às questões comerciais.
Já que no que tange à Lei Brasileira, a doutrina é relativamente pacífica em admitir a arbitrabilidade dos conflitos envolvendo direito do consumidor, desde que a lei aplicada nesses procedimentos seja o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e que o direito discutido pertença à esfera patrimonial do consumidor.
Nesse sentido, é possível citar o posicionamento da Doutrina:

De maneira bastante generalizada, pode-se dizer que a imensa maioria de lides de consumo são de ordem econômica e estão na esfera de disponibilidade do consumidor. Porém, o legislador de consumo guindou à posição de direito básico do consumidor a proteção à vida, saúde e segurança (art. 6º), garantiu o respeito à sua dignidade e qualidade de vida (art. 4º) e tipificou, além dos já existentes, alguns crimes contra as relações de consumo (arts. 61 a 80). Desse modo, em uma análise igualmente sucinta diríamos que estes direitos acima relacionados não poderiam ser objeto de discussão perante o árbitro, pois além de não serem patrimoniais, ao titular não é dado transacionar (v.g. vida). Porém, nada impede que a decorrência patrimonial do conflito seja submetida ao "juiz privado". Ou seja, não se concebe que um consumidor transacione a respeito de sua segurança, entretanto, sobrevindo um acidente de consumo decorrente do Fato do Produto o quantum da indenização pode ser submetido a um árbitro.  O mesmo se pode dizer dos crimes contra as relações de consumo que são todos delitos de ação pública incondicionada titularizados pelo estado através do Ministério Público. Na condição de titular do direito de ação, o Estado representado pelo parquet submete-se ao princípio da indisponibilidade, já o ofendido não pode dispor de direito de que não é titular. Não obstante a isso, aplica-se o mesmo raciocínio colocado anteriormente. Ou seja, ocorrendo um delito contra as relações de consumo, sobre o quantum debeatur de eventual ofensa ao patrimônio do consumidor a reparação do dano poderá ser negociada, seja perante o árbitro, seja perante a justiça estatal em eventual ação civil ex delito.( ZULIANI, 2004).

Finalmente, tendo em vista exaurir a questão do que se enquadra sob o termo “comercial” da Lei Modelo, cumpre destacar outro excerto do documento “Analytical Commentary on the Draft Text of a Model Law on International Commercial Arbitration”, que diz:

Uma transação não tem que ser conduzida por comerciantes para ser considerada comercial. A venda de uma casa, por exemplo, foi considerada comercial, apesar de a venda de casas não ser a atividade negocial regular de nenhuma das partes e a transação ter sido a única realizada entre as partes[16].

Lastreando-se no posicionamento acima, não resta dúvida de que a atividade que envolva a transferência de direitos patrimoniais, ainda que não realizada habitual ou profissionalmente, enquadra-se sob a égide da Lei Modelo.
Em relação à legislação pátria, não há o que se discutir quanto a esse ponto, uma vez que a lei 9.307/96 exige apenas que os direitos transacionados sejam disponíveis, sem indicar qualquer restrição quanto ao modo de realização da transação, ou quanto à qualidade do agente.
Em resumo, pode-se traçar o seguinte quadro:

MATÉRIAS 
EXCLUSIVAMENTE REGIDAS PELA LEI 9.307
MATÉRIAS TRATADAS PELA LEI 9.307 E PELA LEI MODELO DA UNCITRAL
Relações de consumo.
Matérias relativas 
a negociações coletivas do trabalho
Relações comerciais e contratuais em geral
Quadro I:  Comparação das áreas de aplicação


3.3  A LIMITAÇÃO IMPINGIDA PELO TERMO INTERNACIONAL NA LEI MODELO


Antes de aprofundar o estudo sobre o campo de aplicação da Lei Modelo, é importante ressaltar que a definição da arbitragem como sendo internacional, em contraposição à arbitragem nacional ou interna, traz diversas conseqüências práticas. Dentre elas, pode-se enumerar:

1.    Os procedimentos arbitrais internacionais estão sujeitos a diversos tratados internacionais que regulam sua execução, dentre eles a Convenção de Nova York e a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, ambas ratificadas pelo Brasil;
2.    A sentença arbitral proferida em outro país deverá estar em conformidade com a lei daquele país para que possa ser executada no Brasil, conforme se aduz dos incisos do Art. 38 da Lei n. 9.307/96;
3.    Conforme apontam Redfern e Hunter (1999, p. 13), outra razão para distinguir a arbitragem interna da internacional é que, segundo a lei de alguns países, o próprio país ou suas entidades componentes somente estarão autorizados a ingressar em procedimentos arbitrais que digam respeito a transações internacionais;
4.    Por fim, a arbitragem internacional tende a ser mais complexa, devido à possibilidade de as partes pertencerem a sistemas legais diferentes, o que demanda maior cuidado quanto à formulação da sentença arbitral, que deve buscar ser eficaz segundo as leis do território em que será finalmente executada.

A Lei Modelo não regula todo tipo de arbitragem, mas unicamente os procedimentos arbitrais considerados por ela mesma como internacionais. Nesse sentido, cumpre observar o que o próprio texto da Lei Modelo diz a respeito de seu campo de aplicação.

Artigo I
Campo de Aplicação
1 - A presente Lei aplica-se à arbitragem comercial internacional; ela não contende com qualquer acordo multilateral ou bilateral a que o presente Estado se encontra vinculado.
(...)
3 - Uma arbitragem é internacional se:
a) as partes numa convenção de arbitragem tiverem, no momento da conclusão desta Convenção, o seu estabelecimento em Estados diferentes; ou
b) um dos lugares a seguir referidos estiver situado fora do Estado no qual as partes têm o seu estabelecimento:
I) o lugar da arbitragem, se estiver fixado na convenção de arbitragem ou for determinável de acordo com esta;
II) qualquer lugar onde deva ser executada uma parte substancial das obrigações resultantes da relação comercial ou o lugar com o qual o objeto do litígio se ache mais estreitamente conexo; ou
c) as partes tiverem convencionado expressamente que o objeto da convenção da arbitragem tem conexões com mais de um país. 
4 - Para fins do § 3 do presente artigo:
a) se uma parte tiver mais de estabelecimento, o estabelecimento a tomar em consideração é aquele que tem a relação mais estreita com a convenção de arbitragem;
 b) se uma parte não tiver estabelecimento, revela para este efeito a sua residência habitual.


A Lei Modelo utiliza dois critérios para definir o caráter da arbitragem.
O primeiro refere-se ao vínculo com certo território. Trata-se de um critério objetivo, detalhado na alínea “a” do §3° e no §4° do Art. 1°.
O segundo, explicitado nas alíneas b e c do §3°,diz respeito à natureza da disputa. Quanto a este critério, as notas explanatórias publicadas pela Câmara Internacional de Comércio dispõem:

(...) a natureza internacional da arbitragem não significa que as partes devam necessariamente ser de nacionalidades diferentes. Por virtude de seu objeto, o contrato pode extender-se além das fronteiras nacionais, quando, por exemplo, um contrato é concluído entre dois nacionais do mesmo estado para performance em outro país, ou quando é concluído entre um estado e a filial de uma companhia estrangeira fazendo negócios naquele estado. (ICC, 1977, p. 19)[17]

            Há vários sub-critérios utilizados para definir se a disputa tem natureza internacional. Primeiramente, pode-se fazer referência à intenção das partes no momento da celebração da cláusula arbitral. Nesse passo, a Lei Modelo é clara ao reconhecer que, se as partes tiverem convencionado expressamente que o objeto da convenção da arbitragem tem conexões com mais de um país, a arbitragem será internacional. No mesmo sentido é a previsão do inciso “I” da alínea “b” do §3°: se as partes escolheram como local da arbitragem país diferente daquele em que estão situadas, há uma presunção legal de que as partes preterem a arbitragem doméstica. A corroborar a tese, entende a doutrina internacional que a escolha da Lei Modelo da Uncitral é, em si, um forte indicador da opção das partes pela arbitragem internacional.
            Outro fator relevante é a conexão das obrigações quanto a determinado território. Este conceito busca encontrar, no caso concreto, elementos que indiquem que a relação comercial objeto da arbitragem está materialmente ligada a mais de um país. A primeira e mais óbvia forma de verificar essa hipótese é observar se o “lugar onde deva ser executada uma parte substancial das obrigações resultantes da relação comercial” situa-se em país diferente daquele em que as partes estão estabelecidas, conforme a primeira parte do inciso II da alínea b do §3°. Se, por exemplo, duas companhias de mesma nacionalidade fazem um acordo de empreitada para execução integral de uma obra em um terceiro país, eventual arbitragem realizada entre as partes seria, sob as regras da Uncitral, considerada internacional.
            A parte final do inciso mencionado anteriormente traz critério menos preciso: a “estreiteza de conexão do litígio”. Este vem sendo objeto de lapidação pela doutrina e jurisprudência internacionais, que buscam extrair seu verdadeiro conteúdo. Mas, apesar da intensa discussão, ainda não há um conceito pacífico sobre o conteúdo e alcance do termo. Contudo, através de exemplos práticos é possível vislumbrar sua ocorrência.
No caso Vanol Far East Marketing Pte. Ltd. v. Hin Leong Trading Pte. Ltd., julgado pela Corte Superior de Singapura, país que adota a Lei Modelo, foi decidido que:

Ambas as partes tinham seus estabelecimentos de negócios em Singapura, e a lei de Singapura era a lei que regia o contrato. O pagamento e a as obrigações indicadas foram executados em Singapura. Entretanto, as outras partes do contrato, por exemplo, providenciar o carregamento, oferecer a notificação de prontidão, a passagem do risco e a operação de embarque foram todas executadas em Yosu, Coréia. Aplicando a Seção 5(2) da Lei Internacional de Arbitragem, 1994, (Artigo 1(3)(b)) a Corte Superior decidiu que o lugar com o qual a substância da matéria em disputa estava mais estreitamente conexo era Yosu, Coréia. Em conseqüência, uma vez que a arbitragem era uma arbitragem internacional, a Corte Superior rejeitou a proposta de recurso contra a decisão arbitral. [18]

Por meio desse exemplo, é possível verificar que o critério da estreiteza de conexão do litígio com um país implica a análise das várias circunstâncias que rodeiam o negócio. Dentre outros, a doutrina e a jurisprudência apontam: a existência de obrigações acessórias a serem executadas em outro país, o local do pagamento, o país para onde deve ser encaminhada a correspondência e o local de conclusão do contrato.
Ao contrário da Lei Modelo, a Lei n. 9.307/96 não regula a arbitragem internacional.

A lei brasileira de arbitragem, Lei nº 9.307/96, regula apenas a arbitragem doméstica. Na área internacional dispõe sobre a forma de internalizar a sentença arbitral estrangeira, esclarecendo que é a proferida fora do território nacional (LEMES, 2003, p. E-2).

            Verificada a diferença entre o âmbito de aplicação dos dois diplomas, percebe-se a importância de analisar criteriosamente os elementos do caso concreto antes de optar por qual lei regerá a arbitragem. Caso contrário, corre-se o risco de eleger a Lei Modelo num caso que não atenda aos critérios de conexão por ela exigidos.


  
4. A FORMAÇÃO DA ARBITRAGEM NA LEI 9.307/96 E NA LEI MODELO DA UNCITRAL

4.1 FORMAÇÃO DA ARBITRAGEM NA LEI 9.307/96


A fim de principiar o estudo da formação da arbitragem, isto é, da fase “pré-arbitral”, como a define Leandro Rigueira Rennó Lima, evidencia-se necessário percorrer as definições preliminares trazidas pela Lei de arbitragem.

Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.

Existindo cláusula arbitral (que deve tomar a forma escrita), o início do procedimento arbitral configura-se com a manifestação da parte interessada na instituição do juízo arbitral, cabendo à outra ou outras partes, pronunciarem-se. Concordando em cumprir o pactuado, procede-se à nomeação dos árbitros, em consonância com o que foi estabelecido na cláusula arbitral, dispondo a lei que se considera “instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro único, ou por todos, se forem vários” (art. 19)
Tem-se, pois, que o procedimento arbitral constitui ato precedente, com a manifestação da parte interessada de seu desejo de instituir o juízo arbitral, com base na obrigação prevista na cláusula compromissória. Caso a outra parte a isso se recuse e não tendo a cláusula disposições preventivas acerca dessa possibilidade, restará impedida. a instituição do juízo arbitral.
O caminho que resta ao interessado é o de provocar o Judiciário, mediante distribuição de ação judicial, pedindo a citação da parte renitente para comparecer em juízo e firmar o compromisso arbitral.
Esta ação seguirá o rito ordinário e terá prosseguimento normal, inclusive na esfera recursal. Todavia, por força do artigo 520 do Código de Processo Civil:

Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem. 

Conclui-se que a apelação eventualmente interposta não terá efeito suspensivo, possibilitando assim, o prosseguimento da arbitragem enquanto não há sentença definitiva na esfera judicial. Em termos práticos, porém, vislumbra-se que raramente as partes quererão iniciar um procedimento arbitral sem que haja certeza quanto à sua validade e posterior possibilidade de execução.
Constata-se, portanto, que a Lei 9.307 não eliminou a necessidade do compromisso arbitral, uma vez que previu até mesmo uma ação judicial para suprir sua celebração. Tal fato é muito criticado pela doutrina, que considera esse modelo uma herança ultrapassada da dicotomia legal anterior, que, na contramão das legislações mais avançadas, traça diferença entre cláusula compromissória e compromisso arbitral.
O art. 6º da Lei prevê que a parte interessada em instituir o juízo arbitral, com base em uma cláusula compromissória, deverá convocar a outra “para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral” Conclui-se, desse dispositivo, que a cláusula, em caso de recusa de sua observância, não enseja, por si só, a instituição da arbitragem, sendo necessário sempre o compromisso.
Nesse ponto, a doutrina faz uma ressalva, apontando que, se for estabelecido que a arbitragem observará normas de alguma entidade especializada ou contiver previsão de outra forma para instituição do juízo arbitral, prevalecerá o convencionado.
Como exemplo próximo de norma institucional, pode-se mencionar o regulamento interno da Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil – CAMARB[19], situada em Belo Horizonte, que sobre o assunto dispõe:

2.7 As partes e o(s) árbitro(s) deverão firmar o compromisso arbitral nos 7 (sete) dias que se seguirem à convocação da CAMARB para fazê-lo, devendo, no mesmo ato, efetuar o pagamento da Taxa de Administração e depositar os honorários do(s) árbitro(s).

2.8 Se qualquer das partes, tendo celebrado cláusula compromissória que designe o Regulamento de Arbitragem da CAMARB para reger a arbitragem, ou, após concordar com a instauração da arbitragem administrada pela CAMARB, deixar de indicar seu árbitro e o respectivo suplente, ou deixar de firmar o compromisso arbitral, nos prazos acima estipulados, o Conselho Diretor da CAMARB poderá, conforme o caso, designar o árbitro não indicado por uma das partes, ou árbitro único para a solução do litígio, dentre os nomes que integrarem sua Lista de Árbitros. Se for o caso, a Secretaria Geral da CAMARB convocará novamente a parte faltante para subscrever o compromisso arbitral, no prazo de 7 (sete) dias contado do recebimento da convocação.

2.9 Decorrido o prazo previsto no item precedente, e persistindo a omissão de alguma das partes em firmar o compromisso arbitral, a(s) outra(s) parte(s) poderá(ão):
(i) requerer, na forma da lei, a citação da(s) parte(s) omissa(s) para comparecer em juízo a fim de firmar(em) o compromisso arbitral, ou
(ii) desde que a cláusula compromissória determine a aplicação do Regulamento de Arbitragem da CAMARB, requerer a esta que promova o andamento da arbitragem, devendo a parte revel, neste caso, ser intimada de todos os atos procedimentais, podendo, a qualquer tempo, assumir o procedimento arbitral no estado em que este se encontrar. (grifo nosso)

Todavia, nada dispondo a cláusula compromissória sobre o assunto, há necessidade do compromisso antes do início do procedimento arbitral. Se houver recusa da outra parte em firmá-lo, aplica-se o procedimento do art. 7º, com requerimento ao Juiz para citar a parte resistente “para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso”. Mantendo-se a recusa, ou não concordando as partes com os termos do compromisso, decidirá o Juiz, após ouvir o réu, sobre o seu conteúdo (art. 7º, §3º).

§ 3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2º, desta Lei.

Quanto à previsão do firmamento judicial do compromisso arbitral, cabe mencionar o posicionamento de José Carlos de Magalhães:

Percebe-se, claramente, a dificuldade do legislador, ao insistir em manter a desnecessária exigência do compromisso. Não se pode convocar alguém para firmar um contrato –como é o caso do compromisso - cujas cláusulas não foram negociadas. Compromisso não é contrato de adesão, nem se pode obrigar uma parte a firmá-lo, se com ele não concordou; constitui o compromisso instrumento resultante de negociações e de acordo de vontades. O compromisso, na verdade, é negócio bilateral pelo qual as partes pactuam a resolução de uma controvérsia sobre bem disponível, de caráter patrimonial, por terceiros, sem a intervenção do Judiciário. Daí porque a infeliz disposição do artigo 7º, ao prever a citação da parte renitente para “lavrar o compromisso”, pode suscitar dúvidas quanto ao caráter voluntário da arbitragem, assumindo feições de arbitragem imposta, contrariando-lhe as características principais. (...) Se a cláusula arbitral possui compulsoriedade, não haveria, a rigor, necessidade de compromisso, somente exigível quando não exista a obrigação previamente pactuada no contrato. O compromisso destinar-se-ia apenas e tão somente a estabelecer as normas de procedimento não previstas na cláusula e, nesse caso, para suprir a lacuna bastaria aplicar normas processuais de caráter supletivo, como as previstas nos artigos revogado do Código de Processo Civil, não substituídos por outros pela lei atual. Tais normas preexistem ao contrato e, assim, à cláusula arbitral; são de prévio conhecimento das partes, o que não ocorre com decisão judicial que estabelece os termos do compromisso e com os quais podem não concordar (MAGALHÃES, 2001, p.159).

Fato é que, judicial ou extrajudicial, o compromisso há de ser, via de regra, prestado antes de iniciada a arbitragem. Nesse sentido, é imperioso apontar o art. 10 da Lei 9.307, que prevê:

Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral:
        I - o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes;
        II - o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros;
        III - a matéria que será objeto da arbitragem; e
        IV - o lugar em que será proferida a sentença arbitral.

Este artigo será fundamental para o desenvolvimento da presente monografia. Em primeiro lugar, porque seus requisitos são obrigatórios. De fato, a doutrina aponta que, à falta desses requisitos, haverá nulidade do compromisso, e conseqüentemente de toda a arbitragem.
Em segundo lugar, tem-se que o inciso IV do artigo citado é da maior importância, uma vez que do lugar da emissão da sentença arbitral dependerá a definição acerca do caráter internacional da arbitragem, por força do parágrafo único do art. 34 da Lei de Arbitragem:

Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei.
Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional. (Grifo nosso)

Com efeito, aponta a doutrina que o local dos procedimentos probatórios e processuais é incapaz de definir a nacionalidade da arbitragem. Nem mesmo o lugar de execução da decisão terá qualquer influência sobre o caráter internacional do procedimento. Para tanto, o requisito essencial é o local onde será proferida a sentença.
O caráter nacional ou internacional do laudo arbitral, por sua vez, é importante porque as sentenças arbitrais estrangeiras deverão ser homologadas pelo STJ (e não mais pelo STF, por força da Emenda Constitucional n. 45) antes de sua execução no Brasil. Para tanto, a lei estabelece alguns requisitos:

Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira,      quando o réu demonstrar que:
        I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;
        II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida; Grifo nosso.
        III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;
        IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;
        V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;
        VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.(Grifo nosso)

Mais adiante, neste capítulo, estudar-se-ão os impactos que os requisitos do artigo 10 da Lei Brasileira podem causar quando da comparação entre o diploma arbitral pátrio e a Lei Modelo da Uncitral.
Por ora, cabe exaurir o tema da formação da arbitragem dentro da Lei Brasileira. Nesse sentido, tem-se que a lei considera como ato de instituição do juízo arbitral a aceitação, pelo árbitro ou árbitros, da nomeação feita pelas partes. De fato, é o que comanda o art. 19 da Lei de arbitragem:

Art. 19. Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários.

Esse ato, contudo, como salienta a doutrina, não se confunde com o de início do procedimento arbitral, que se dá com a manifestação da parte interessada, por meio de notificação, ou outro mecanismo previsto na convenção arbitral que indique a intenção de submeter a controvérsia à arbitragem. O juízo arbitral não se instituiu ainda, mas o procedimento já se iniciou com a notificação, devendo-se observar as norma pré-estabelecidas na convenção ou, se inexistentes, na lei.
Nesse particular, cabe retomar o posicionamento de José Carlos de Magalhães:

Na escolha dos árbitros, as partes podem prever impedimentos, convencionalmente, afastando pessoas determinada, em razão de suas profissões, nacionalidade ou outro fatores que lhes dificultem a imparcialidade. Além disso, existem impedimento legais que, no Brasil, são estabelecidos de forma precisa no art. 14 da Lei nº 9.307/96, não podendo ser árbitros, os incapazes, os legalmente impedidos de servir como juiz e os suspeitos de parcialidade, tal como previsto nos arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil. Dessa forma o amigo íntimo ou o inimigo, o credor, o devedor, o herdeiro ou o empregador, a pessoa que recebeu dádivas ou aconselhou a qualquer das partes e aquele que tiver interesse no julgamento são afastados da condição de árbitros. (MAGALHÃES, 2002, 515).

Outra questão relativa aos árbitros diz respeito à sua vinculação ao compromisso em que são nomeados e que lhes fixa a responsabilidade. Isto é, não basta a simples nomeação dos árbitros. A função de árbitro implica em deveres e restrições a quem a exerce, de modo que é imprescindível que os indicados aceitem expressamente a incumbência. Mesmo porque, ao fazê-lo, assumem a grave responsabilidade de decidir no prazo fixado no compromisso, sob pena de responderem pessoalmente pelos prejuízos que causarem às partes.
Estando compromissados os árbitros e, por força do artigo 19, instituída a arbitragem, finalizam-se os procedimentos inicias. Tem então início a efetiva discussão do mérito dos conflitos. Vale enfatizar que somente com a nomeação dos árbitros estará composto o tribunal arbitral que deverá julgar o litígio, e, portanto, somente após sua nomeação inicia-se de fato a arbitragem.
Não é impossível, contudo, que as partes tenham concordado em arbitrar, apontado cada uma um árbitro da sua confiança, mas que estes, por sua vez, sejam incapazes de alcançar um acordo quanto à indicação do terceiro árbitro. Nestes casos, estará impossibilitada a formação do tribunal. Buscando solucionar esse problema, a Lei dispôs, em seu artigo 13:

Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.
§ 1º As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo nomear, também, os respectivos suplentes.
§ 2º Quando as partes nomearem árbitros em número par, estes estão autorizados, desde logo, a nomear mais um árbitro. Não havendo acordo, requererão as partes ao órgão do Poder Judiciário a que tocaria, originariamente, o julgamento da causa a nomeação do árbitro, aplicável, no que couber, o procedimento previsto no art. 7º desta Lei.

Resta saber por quê o legislador não adotou essa posição desde o momento de discussão da formação do compromisso arbitral. De fato, bastaria que o juiz apontasse um ou dois árbitros (um para a demandada e eventualmente também o terceiro), que ficariam desde logo responsáveis pela formação do tribunal arbitral para que se extinguisse a necessidade de interferência da jurisdição estatal dentro do âmbito privado da arbitragem. De qualquer modo, através da ação prevista no art. 7º , tanto os problemas surgidos no momento da firmação do compromisso quanto os problemas na escolha dos árbitros poderão ser solucionados.
Vencidas as considerações iniciais sobre a formação da arbitragem segundo a Lei 9.307/96, passa-se agora a discorrer sobre o processo de formação da arbitragem segundo a Lei Modelo da Uncitral.


4.2 FORMAÇÃO DA ARBITRAGEM NA LEI MODELO DA UNCITRAL


Analogamente à estrutura adotada no capítulo anterior, cabe aqui também iniciar a análise pelas definições trazidas pela própria Lei Modelo:

Artigo 7[20]
Definição e Forma da Convenção de Arbitragem
1 - “Convenção de arbitragem” é uma convenção pela qual as partes decidem submeter à arbitragem todos ou alguns dos litígios surgidos ou a surgir entre elas com respeito a uma determinada relação jurídica, contratual ou extracontratual. Uma convenção de arbitragem pode revestir a forma de uma cláusula compromissória num contrato ou a de uma convenção autônoma.
2 - A convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito. Considera-se que uma convenção tem forma escrita quando constar de um documento assinado pelas partes ou de uma troca de cartas, telex, telegramas ou qualquer outro meio de telecomunicação que prove a sua existência, ou ainda da troca de alegações referentes à petição e á contestação na qual a existência de uma tal convenção for alegada por uma parte e não seja contestada pela outra. A referência num contrato a um documento que contenha uma cláusula compromissória equivale a uma convenção de arbitragem, desde que o referido contrato revista a forma escrita e a referência seja feita de tal modo que faça da cláusula uma parte integrante do contrato.

Como se pode constatar, a Lei Modelo não faz diferenciação entre cláusula compromissória e compromisso arbitral. Tudo o que é necessário para que a arbitragem se torne exigível entre as partes é uma cláusula arbitral (arbitration agreement), celebrada entre as partes. Mesmo as vias probatórias expressamente admitidas pela lei demonstram seu escopo liberal e, de certa forma, informal. O objetivo é fazer valer a cláusula arbitral, inobstante a forma como tenha sido celebrada. Quanto a este ponto, não se pode dizer que a Lei Brasileira seja mais ou menos exigente, porquanto também admite a estipulação por escrito, inserta no próprio contrato ou em documento que a ele se refira. Apenas se deve notar que a Lei Modelo buscou não deixar dúvidas quanto à validade de instrumentos como e- mail ou fax para comprovar a existência da cláusula arbitral.
Uma vez que a Lei Modelo não prevê a celebração de um acordo posterior à cláusula arbitral para que a arbitragem inicie-se, todas as suas previsões normativas dirigem-se para os meios de composição do tribunal arbitral. Essas disposições serão reproduzidas abaixo, e posteriormente comentadas.

Artigo 6[21]
Tribunal ou Outra Autoridade Encarregada de Certas Funções de Assistência e de Controle no Quadro da Arbitragem
As funções mencionadas nos arts. 11, § § 3 e 4, 13, § 3, 14, 16, § 3, e 34, § 2, são confiadas ... (cada Estado, ao adotar a Lei – Modelo, indica o tribunal, os tribunais ou, para os casos em que esta lei o admitir, uma outra autoridade competente para desempenhar essas funções.)

Quanto ao artigo sexto, cabe relembrar que a Lei Modelo da Uncitral é um modelo de convenção internacional, destinada a países e não a partes individuais, muito embora tenha ampla utilização como regramento particular de procedimentos arbitrais (tanto diretamente quanto através de câmaras arbitrais que adotam procedimentos nela inspirados). Na condição de convenção que visa à substituição de uma lei interna, ela faz referência aos poderes públicos do estado que a adota. No caso de uma análise abstrata, o artigo deve ser entendido como “as funções mencionadas nos artigos (...) são confiadas à autoridade competente segundo as leis de cada estado”.

CAPÍTULO III[22]
COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
Artigo 10
Número de Árbitros
1 - As partes podem determinar livremente o número de árbitros.
2 - Na falta de tal determinação, os árbitros serão em número de três.
Artigo 11
Nomeação de Árbitros
1 - Ninguém poderá, em razão da sua nacionalidade, ser impedido de exercer funções de árbitro, salvo convenção em contrário das partes.
2 - As partes podem, por acordo, escolher livremente o processo de nomeação do árbitro ou dos árbitros, sem prejuízo das disposições dos §§ 4 e 5 do presente artigo.
3Na falta de um tal
a) no caso de uma arbitragem com três árbitros, cada uma das partes nomeia um árbitro e dois árbitros assim nomeados escolhem o terceiro árbitro; se uma das partes não nomear no prazo de trinta dias a contar da recepção de um pedido feito nesse sentido pela outra parte, ou se os dois árbitros não se puserem de acordo quanto à escolha do terceiro árbitro dento de trinta dias a contar da respectiva designação, a nomeação é feita a pedido de uma das partes, pelo tribunal ou outra autoridade referidos no art.6;
 b) no caso de uma arbitragem com um único árbitro, se as partes não poderem pôr-se de acordo sobre a escolha do árbitro, este será nomeado, a pedido de uma das partes, pelo tribunal ou outra autoridade referidos no art. 6.
4 - Quando, durante um processo de nomeação convencionado pelas partes,
a) uma parte não agir em conformidade com o referido processo, ou
b) as partes, ou dois árbitros, não puderem chegar a um acordo nos termos do referido processo, ou
c) um terceiro, aí incluída uma instituição, não cumprir uma função que lhe foi confiada, qualquer das partes pode pedir ao tribunal ou a outra autoridade referidos no art. 6 que tome medida pretendida, a menos que o acordo relativo ao processo de nomeação estipule outros meios de assegurar esta nomeação.

Da leitura dos artigos acima, evidencia-se claramente que a posição da Lei Brasileira quanto à interferência estatal na arbitragem é bem semelhante à posição da Lei Modelo. A única sensível diferença é que a legislação brasileira busca acionar o judiciário para garantir a celebração do compromisso arbitral, enquanto a Lei Modelo busca, desde logo, constituir o tribunal.
Os procedimentos da lei são bastante claros e dispensam maior detalhamento. Um ponto interessante, porém, que não se deve deixar escapar é a menção à “instituição” que se faz na alínea c do parágrafo 4º. Trata-se, na verdade, da “appointing authority”, uma pessoa ou instituição, como um renomado advogado ou a Câmara Internacional de Comércio, que ficará imbuída do dever de apontar um ou mais árbitros, a fim de que se constitua o tribunal arbitral.
Essa solução, bastante engenhosa, foi consagrada pelo artigo 6º[23] das normas de arbitragem (e não arbitragem internacional) elaboradas pela própria Uncitral[24] (Uncitral Arbitration Rules). Em suma, equivale ao que já foi dito no item anterior a respeito da indicação de uma norma que regule a instituição do procedimento arbitral, caso uma das partes se recuse a cooperar voluntariamente. Seu objetivo é estabelecer desde logo regras claras e executáveis a respeito da escolha dos árbitros em caso de resistência ou desacordo das partes, visando ao máximo fugir da necessidade da jurisdição estatal. Isto é, o parágrafo 4º, c, na verdade trás uma hipótese presumivelmente remota, em que as partes, para fugir da morosidade da justiça estatal, já apontaram as regras de uma “autoridade” para reger o processo de escolha dos árbitros, mas mesmo este órgão falhou em sua função (por qualquer motivo).
Não há previsão semelhante a governar o assunto na Lei Brasileira de arbitragem.
Prosseguindo na análise da Lei Modelo, depara-se com o seguinte parágrafo do artigo 11[25]:

5 - A decisão de uma questão confiada ao tribunal ou outra autoridade referidos no art. 6, nos termos dos §§ 3 e 4, do presente artigo, é insuscetível de recurso. Quando nomear um árbitro, o tribunal terá em conta as qualificações exigidas a um árbitro pelo acordo das partes e tudo aquilo que for relevante para garantir a nomeação de um árbitro independente e imparcial e, quando nomear um árbitro único ou um terceiro árbitro, ele terá igualmente em consideração o fato de que poderá ser desejável a nomeação de um árbitro de nacionalidade diferente da das partes.

A previsão encontrada na primeira parte do dispositivo merece consideração. Indica que a decisão judicial acerca do apontamento dos árbitros será insuscetível de recurso. Aqui, novamente, depara-se com o problema de estudar a aplicabilidade de uma Lei Modelo que define padrões gerais, mas que não foi adotada pelo país. Se a Lei Modelo houvesse sido adotada pelo Brasil, a discussão a respeito do dispositivo seria travada em outras bases: principiológicas, constitucionais, processuais. Entretanto, o intuito deste trabalho é analisar a compatibilidade da Lei Modelo com a Lei Brasileira, principalmente no contexto de uma relação comercial internacional envolvendo uma parte brasileira, em que a lei regente da arbitragem seja a Lei Modelo da Uncitral.
Nessa perspectiva, o parágrafo acima abrange duas possibilidades.
A primeira é que a arbitragem seja conduzida e concluída num país:

a) optante pela Lei Modelo da Uncitral e que não tenha feito ressalvas quanto a este parágrafo;
b) concomitantemente ou não com a hipótese acima, em que o ordenamento jurídico permita às partes, contratualmente, dispor sobre normas processuais.

Nesse caso, não haverá maiores dificuldades, uma vez que a homologação do laudo arbitral proferido no estrangeiro segue como critério a conformidade da arbitragem com as normas de ordem pública do país onde foi proferida (Lei 9.307/96, art. 38). Uma vez que o país sede admita a decisão em única instância, não haverá complicações.
Outro panorama, porém, descortina-se, caso a arbitragem ocorra no Brasil, seguindo as normas da Lei Modelo. Isso porque, para todos os efeitos, os dispositivos da Lei Modelo serão, sob o ordenamento jurídico brasileiro, apenas previsões contratuais. Nessa condição, incapazes de dispor sobre matéria de ordem pública, incluída aí  a possibilidade recursal no bojo do processo civil. Nesse caso, não resta outra possibilidade senão a desconsideração dessa previsão, por ilegal dentro do sistema brasileiro.
Tal desconsideração estaria de acordo com a própria Lei Modelo, uma vez que seu artigo 1º, parágrafo 5 prevê que, em caso de conflito entre o texto da convenção e a lei nacional, prevalecerá a última.
Aproveitando o ensejo, é cabível a discussão de mais um tema envolvendo a emissão, no Brasil, de laudo arbitral baseado na Lei Modelo. Ocorre que, caso a arbitragem ocorra no Brasil, será imprescindível, por força da Lei 9.307, que haja tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral. Este compromisso deverá expor, com clareza, a matéria objeto do litígio e o lugar de prolação da sentença, sob pena de nulidade (art. 10).
Ainda que o tema discutido na arbitragem diga respeito a uma relação internacional, e mesmo que o laudo arbitral só produza efeitos patrimoniais fora do Brasil, as regras da lei 9.307 tornarão o laudo inválido. Dessa forma, por ser inválido na origem, é possível que o procedimento arbitral não possa ser aproveitado no país onde seria executado (mesmo que esse país adote a Uncitral, conforme se verá adiante), causando danos tanto à parte brasileira quanto a outros possíveis interessados.
Novamente, é caso de aplicar o disposto no parágrafo 5º do inciso 1º da Lei Modelo, e adaptar a convenção à lei nacional. No caso de arbitragens internacionais levadas a cabo no Brasil, imprescindível que sejam também cumpridos os requisitos da Lei 9.307/96, notadamente quanto à produção de um detalhado compromisso arbitral, a fim de que o laudo seja válido e eficaz dentro de nosso território (o que é o primeiro requisito para que possa valer também fora do Brasil.
Feitas estas considerações, considera-se encerrado o estudo comparativo sobre a formação da arbitragem, tanto na Lei Brasileira quanto na Lei Modelo da Uncitral. Posteriormente neste trabalho, proceder-se-á à análise de alguns institutos materiais dos dois diplomas.

5. PODERES DOS ÁRBITROS E INFLUÊNCIA DO SISTEMA JUDICIÁRIO

5.1 MEDIDAS ACAUTELATÓRIAS NA LEI BRASILEIRA E NA LEI MODELO


            Apesar de sua origem consensual, o procedimento arbitral acontece em torno de um litígio. Por vezes, ocorre que uma das partes necessite socorrer-se de medidas de urgência para proteger o direito que está sendo discutido, ou a própria utilidade do procedimento arbitral. Todavia, é regra que os árbitros não possuam poderes para coagir as partes a cumprir ordens. Nesse cenário, a eficácia do procedimento arbitral estaria comprometida caso fosse possível às partes dilapidarem seu patrimônio, ou destruírem provas, sem que houvesse qualquer reposta impositiva da outra parte, ou do tribunal arbitral.
            Para solucionar este problema, tanto a Lei Brasileira quanto à Lei Modelo criaram mecanismos de cooperação entre o poder judiciário e os tribunais arbitrais, a fim de tornar possível a aplicação de medidas de urgência, provenientes da jurisdição ordinária, sem, contudo, descaracterizar a via arbitral.
            A Lei modelo trata do assunto em seus artigos 9º e 17:

Artigo 9º
Convenção de Arbitragem e Medidas Provisórias Tomadas por um Tribunal
Não é incompatível com uma convenção de arbitragem a solicitação de medidas provisórias ou conservatórias feita por uma das partes a um tribunal, antes ou durante o processo arbitral, bem como a concessão de tais medidas pelo tribunal.
Artigo 17
Poder do Tribunal Arbitral Ordenar Medidas Provisórias
Salvo em convenção em contrário das partes, o tribunal arbitral pode, a pedido de uma parte, ordenar a qualquer delas que tome as medidas provisórias ou conservatórias que o tribunal arbitral considere necessário tomar em relação ao objeto do litígio. O tribunal arbitral pode exigir a qualquer das partes que, em conexão com essas medidas, preste uma garantia adequada. [26]

            Antes de prosseguir, é importante salientar que, muito embora a tradução do termo inglês “court” tenha sido feita como “tribunal” no excerto acima, idéia mais precisa seria alcançada lendo o termo como “juiz”, ou “órgão da jurisdição estatal”, que é o significado jurídico do termo “court” na língua inglesa, e também o significado apresentado pela própria convenção para o termo (Art.2(c))
O artigo 9º é claro ao dizer que a parte pode, autonomamente, manejar medidas provisórias perante a jurisdição estatal, sem descaracterizar o procedimento arbitral. O Art. 17, embora não faça menção expressa aos tribunais nacionais, também autoriza o recurso a eles, uma vez que seria inútil prever que o árbitro pode ordenar medidas de urgência sem oferecer a ele os meios para concretizá-las.
A Lei Brasileira prevê o recurso dos árbitros ao poder judiciário em duas oportunidades: para viabilizar a produção de provas e para ordenar medidas coercitivas ou cautelares.

Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.
§ 2º Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de arbitragem.
§ 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa (grifos nossos).

Além de estar regulada na lei, a hipótese é amplamente defendida pela doutrina. Nesse sentido, as vozes de Sérgio Bermudes:

Não faria sentido poderem os árbitros proferir sentença produtora (por certo, dentro dos limites subjetivos e objetivos da coisa julgada) dos mesmo efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário (art. 31), consistente, quando condenatória, num título executivo judicial (CPC, at. 585, III) sem que pudessem determinar as providências assecuratórias da eficácia desses julgados. Por isso, há que se entender que os árbitros, posto que algo insuficiente a lei quanto à explicitação desse aspecto, dispõem do poder cautelar necessário à garantida da eficácia das suas decisões. Falta-lhes, isso sim, o poder de efetivar essas decisões pela força. Podem, contudo, decretá-las, pressupondo o acatamento das partes, possível também a cooperação do órgão judicial. Não se esqueça de que, alternativa do processo judicial, a arbitragem, conquanto não se destine a alivia o Judiciário, embora também produza essa conseqüência prática, não deve onera-lo, pela instauração de um processo judicial paralelo ao arbitral.(BERMUDES, 2002, p.280)

No mesmo sentido, a lição de Pedro Batista Martins:

Mesmo que não constasse expresso na lei de arbitragem, a concessão de medida cautelar ou coercitiva seria poder implícito à função desempenhada pelo árbitro, já que a ele cabe julgar a questão posta e buscar viabilizar o resultado final pretendido (MARTINS, 2002, p.83).

Interessante que, segundo Carlos Alberto Carmona, as medidas cautelares devem ser requeridas diretamente ao tribunal arbitral, e nunca diretamente ao juiz, uma vez que a opção pela via arbitral exclui o acesso à via judicial (antes da fase de execução da sentença). É o que se aduz do trecho abaixo:

A parte não pode pedir a medida cautelar ao Poder Judiciário. Havendo cláusula ou havendo compromisso, a competência é dos árbitros. Portanto, o pedido será dirigido ao árbitro. É o árbitro quem vai dizer se a medida deve ou não ser concedida (CARMONA, 2002, p.114).

            Como se vê, o entendimento é bastante diverso do que se verifica no art. 9 da Lei Modelo, que permite às partes, mesmo durante a arbitragem, recorrer diretamente à jurisdição estatal.
            Superado este tópico, analisar-se-á uma questão específica dentro das medidas coercitivas e cautelares, que é a produção de provas.


5.2 PRODUÇÃO DE PROVAS NA LEI BRASILEIRA E NA LEI MODELO

           
            Em matéria de produção de provas, os dois diplomas apresentam regulamentação muito semelhante. Ambos concedem ao tribunal arbitral poderes para determinar a necessidade, admissibilidade e valor das provas a serem produzidas. Além disso, nenhum deles detalha o procedimento de instrução de maneira abrangente. A Lei Modelo faz referência à nomeação de peritos, mas não cobre outros aspectos. A Lei Brasileira regula, em um único artigo, a oitiva de testemunhas. Todavia, faz referência muito genérica aos demais meios de prova.
            Por fim, ambos prevêem a interferência do poder judiciário caso seja necessário o uso de força para a produção das provas. A Lei Modelo concebe a hipótese de maneira totalmente genérica. A Lei Brasileira especifica o caso da condução forçada de testemunha. Mas logo em seguida adota a regra geral de amparo junto ao poder judiciário para execução de medidas coercitivas, sem trazer maiores detalhes.
            Abaixo, pode-se comparar os dois textos:

Lei Modelo
Artigo 19
Determinação das Regras de Processo
1 - Sem prejuízo das disposições da presente Lei, as partes podem, por acordo, escolher livremente o processo a seguir pelo tribunal arbitral.
2 - Na falta de tal acordo, o tribunal arbitral pode, sem prejuízo das disposições da presente Lei, conduzir a arbitragem do modo que julgar apropriado. Os poderes conferidos ao tribunal arbitral compreendem o de determinar a admissibilidade, pertinência e importância de qualquer prova produzida.

Artigo 26
Perito Nomeado pelo Tribunal
1 - Salvo convenção das partes em contrário, o tribunal arbitral:
a) pode nomear um ou mais peritos encarregados de elaborar um relatório sobre pontos específicos que o tribunal arbitral determinará;
b) pode pedir a uma das partes que forneça ao perito todas as informações relevantes ou que lhe faculte ou torne acessíveis, para exame, quaisquer documentos, mercadorias ou outros bens relevantes.
2 - Salvo convenção das partes em contrário, se uma das partes o solicitar ou se o tribunal arbitral o julgar necessário, o perito, após apresentação do seu relatório escrito ou oral, participará numa audiência em que as partes o podem interrogar e na qual podem fazer intervir, na qualidade de testemunhas, peritos que deponham sobre as questões em análise.

Artigo 27
Assistência dos Tribunais na Obtenção de Provas
O tribunal arbitral, ou uma parte com aprovação do tribunal arbitral, pode solicitar assistência para obtenção de provas a um tribunal competente do Estado. O tribunal pode corresponder à solicitação nos limites da sua competência e de acordo com as suas próprias regras relativas à obtenção de provas.[27]
Lei n. 9.307/96
Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.
§ 1º O depoimento das partes e das testemunhas será tomado em local, dia e hora previamente comunicados, por escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos árbitros.
§ 2º Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de arbitragem.
§ 3º A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral.
§ 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.
§ 5º Se, durante o procedimento arbitral, um árbitro vier a ser substituído fica a critério do substituto repetir as provas já produzidas.


5.2 EXECUÇÃO DAS DECISÕES ARBITRAIS


A Lei Modelo da Uncitral não foi adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, interessa conhecer suas previsões quanto à execução das decisões arbitrais. Isso porque nada obsta que uma arbitragem ocorrida no Brasil venha a ser executada num outro país, por ela optante. Ademais, a Lei Modelo traz as condições mais amplamente reconhecidas pela doutrina internacional como necessárias para a execução das decisões arbitrais. É fácil reconhecer nela a fonte de inspiração do legislador nacional, que adotou texto muito semelhante. Por isso, uma maior compreensão da Lei Modelo certamente auxiliará na interpretação da Lei Brasileira.
            A Lei Modelo prevê, quanto ao tema, o seguinte:

Artigo 35
Reconhecimento e Execução
1. A sentença arbitral, independentemente do país em que tenha sido proferida, será reconhecida como tendo força obrigatória e, mediante solicitação dirigida por escrito ao tribunal competente, será executada, sem prejuízo das disposições do presente artigo e do art. 36.
2. A parte que invocar a sentença ou que pedir a respectiva execução deve fornecer o original da sentença devidamente autenticado ou uma cópia certificada conforme, bem como o original da convenção de arbitragem referida no art. 7 ou uma cópia certificada conforme. Se a dita sentença ou convenção não estiver redigida numa língua oficial do Estado, a parte fornecerá uma tradução devidamente certificada nesta língua.

Artigo 36
Fundamentos de Recusa do Reconhecimento ou da Execução
1. O reconhecimento ou a execução de uma sentença arbitral, independentemente do país em tenha sido proferida, só pode ser recusado:
a) a pedido da parte contra a qual for invocado, se essa parte fornecer ao tribunal competente a que é pedido o reconhecimento ou a execução a prova de:
I) que uma das partes na convenção de arbitragem referida no art. 7 estava ferida de uma capacidade; ou que a dita convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a tenham subordinado ou, na falta de indicação a este propósito, nos termos da lei do país onde a sentença foi proferida; ou
II) que a parte contra a qual a sentença é invocada não foi devidamente informada da nomeação de um árbitro ou do processo arbitral, ou que lhe foi impossível fazer valer os seus direitos por qualquer outra razão; ou
III) que a sentença tem por objeto um litígio não referido no compromisso ou não abrangido pela previsão da cláusula compromissória, ou que contém decisões que ultrapassam os termos do compromisso ou da cláusula compromissória, entendendo-se contudo que, se as disposições da sentença relativas a questões submetidas à arbitragem puderem ser dissociadas das que não estiverem submetidas à arbitragem, unicamente poderá ser anulada a parte da sentença que contenha decisões sobre as questões não submetidas à arbitragem.
IV) que a constituição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não estão conformes à convenção das partes ou, na falta de tal convenção, à lei do país onde a arbitragem teve lugar; ou
V) que a sentença se não tenha tornado ainda obrigatória para as partes ou tenha sido anulada ou suspensa por um tribunal do país no qual, ou em virtude da lei do qual, a sentença tenha sido proferida; ou
b) se o tribunal constatar:
I) que o objeto do litígio não é suscetível de ser decidido por arbitragem nos termos da lei do presente Estado; ou
II) que o reconhecimento ou a execução da sentença contraria a ordem pública do presente Estado.
2. Se um pedido de anulação ou de suspensão de uma sentença tiver sido apresentado a um tribunal referido no § 1, alínea a, sub-alínea v deste artigo, o tribunal ao qual foi pedido o reconhecimento execução pode, se o julgar apropriado, adiar a sua decisão e pode também, a requerimento da parte que pede o reconhecimento ou a execução da sentença, ordenar á outra parte que peste garantias adequadas. [28]

            O primeiro ponto que se deve ressaltar é que, à semelhança da Lei Brasileira, a Lei Modelo reconhece a decisão arbitral como válida desde sua origem (Art. 35). O recurso à jurisdição estatal será necessário apenas para executar a decisão, e não para homologá-la.
            A Lei Modelo vai além da Lei Brasileira, pois reconhece que as decisões arbitrais são imediatamente executáveis, independentemente do país em que foram proferidas. Essa orientação vai ao encontro dos objetivos da Lei Modelo, uma vez que esta pretende regular unicamente arbitragens por natureza internacionais. Seria incoerente que ela própria exigisse a homologação de suas decisões perante os órgãos da justiça estatal, o que restringiria a autoridade de seu texto.
            No Brasil, o reconhecimento das decisões arbitrais estrangeiras depende da homologação do Superior Tribunal de Justiça, conforme nova redação dada à Lei 9.307/96 pela Emenda Constitucional n. 45:

Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei.
Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional.

Art. 35. Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do Superior Tribunal de Justiça.

Contudo, os requisitos apresentados pela Lei 9.307/96 para a homologação da decisão arbitral estrangeira são muito semelhantes aos requisitos de validade apontados pelo Art. 36 da Lei Modelo. De fato, verifica-se que o ponto substancial da diferença é que, no Brasil, a invalidade da decisão arbitral deverá ser alegada pela parte durante o procedimento de homologação, enquanto que na Lei Modelo a parte deverá alegar a invalidade já no bojo do procedimento de execução.
Para atestar a semelhança, veja-se o texto da Lei Brasileira:

Art. 36. Aplica-se à homologação para reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, no que couber, o disposto nos arts. 483 e 484 do Código de Processo Civil.

Art. 37. A homologação de sentença arbitral estrangeira será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações da lei processual, conforme o art. 282 do Código de Processo Civil, e ser instruída, necessariamente, com:
I - o original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial;
II - o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada, acompanhada de tradução oficial.

Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:
I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;
II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida;
III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;
IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;
V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;
VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.
Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que:
I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem;
II - a decisão ofende a ordem pública nacional.

Parágrafo único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa.

Como se pode ver, o Art. 37 da Lei 9.307/96 traz exatamente os mesmos requisitos do Art. 35 da Lei Modelo. E o Art. 38 da Lei Brasileira, com pequenas variações na redação, é quase a transcrição do Art. 36 daquele diploma. Essa semelhança é louvável, e em muito contribui para a facilitar a execução, no Brasil, de laudos arbitrais proferidos no exterior.
Todavia, não se deve esquecer a hipótese de execução de laudo arbitral proferido no Brasil, segundo as regras da Uncitral. Nesse caso, a arbitragem será considerada interna, e deverá obedecer a todos os requisitos, formais e materiais, da Lei 9.307. Para verificar quais são estes requisitos, cita-se o art. 37 desta lei:

Art. 32. É nula a sentença arbitral se:
I - for nulo o compromisso;
II - emanou de quem não podia ser árbitro;
III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;
IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;
VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e
VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.

Quanto ao inciso I, no capítulo 4 deste trabalho, foram apontadas algumas considerações quanto à incompatibilidade entre as exigências formais de validade do compromisso arbitral na Lei Brasileira e na Lei Modelo.  Verificou-se, então, que o problema é facilmente contornável, desde que a arbitragem interna atenda aos requisitos do Art. 10 da Lei 9.307.
No mesmo sentido, cabe comentar a exigência do inciso III do artigo acima transcrito. Primeiramente, veja-se qual o conteúdo do Art. 26 da Lei Brasileira, ao qual ele faz referência:

Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio;
II - os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por eqüidade;
III - o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e
IV - a data e o lugar em que foi proferida.
Parágrafo único. A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato.

            Estes requisitos devem ser comparados aos requisitos da sentença arbitral segundo a Lei Modelo:
Artigo 31
Forma e Conteúdo da Sentença
1 - A sentença será conduzida e assinada pelo árbitro ou árbitros. No processo arbitral com mais de um árbitro, serão suficientes as assinaturas da maioria dos membros do tribunal arbitral, desde que seja mencionada a razão da omissão das restantes.
2 - A sentença será fundamentada, salve se as partes convencionarem que não há necessidade de fundamentação ou se se tratar de uma sentença proferida com base num acordo das partes nos termos do art. 30.
3 – A sentença deverá explicitar sua data e o local da arbitragem, conforme disposto no artigo 20(1). A sentença sera considerada como proferida naquele local.
 4 - Proferida a sentença, será enviada a cada uma das partes uma cópia assinada pelo árbitro ou árbitros, nos termos do § 1 do presente artigo.[29]

            Verifica-se uma incompatibilidade entre os dispositivos quanto a dois aspectos principais. O primeiro deles é a existência de um relatório, exigência inexistente na Lei Modelo. O segundo, é a necessidade de fundamentação da decisão. Verifica-se que a Lei Brasileira exige a fundamentação da decisão e a análise das questões de fato e de direito, ainda que a decisão tenha sido tomada por equidade.
            Já na Lei Modelo, as partes podem abdicar da fundamentação, caso a entendam como desnecessária. Percebe-se aqui a exaltação do caráter consensual da arbitragem, até o ponto em que a própria decisão torna-se quase um acordo, na medida em que o julgador não precisa expor suas razões,
            Esse grau de valorização da consensualidade, entretanto, não encontra lugar no ordenamento jurídico brasileiro. Conseqüentemente, os árbitros de uma arbitragem conduzida no Brasil, de acordo com a Lei Modelo, deverão atentar-se para essa peculiaridade, e expor detalhadamente os motivos da sentença arbitral, sob pena de nulidade.
            Continuando a verificação do Art. 32, cumpre indagar sobre o inciso VII, que trata do prazo limite para a conclusão da arbitragem. O inciso diz que será nula a sentença arbitral proferida fora do prazo. Este prazo pode ser estabelecido pelas partes no compromisso arbitral, segundo o Art. 11 da Lei Brasileira. Não é requisito obrigatório, mas, uma vez estabelecido, deverá ser respeitado.
            A Lei Modelo não trata especificamente sobre prazos, mas aponta como causa de invalidade da decisão arbitral qualquer desconformidade entre a convenção de arbitragem e o processo arbitral (Arts. 34 (2)(iv), que trata do recurso judicial às decisões arbitrais e 36(1)(a)(5), já mencionado). Logo, se, e apenas se, as partes acordaram um prazo máximo para a conclusão da arbitragem, e este não foi respeitado, isso será causa da invalidade da decisão, tanto na Lei Brasileira quanto na Lei Modelo.
Finalmente, é preciso comentar a exigência do inciso VIII do Art. 32 da Lei 9.307, que diz ser nula a decisão se “forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei”.
O dispositivo em questão diz:

§ 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.

            Não resta dúvida de que a Lei Modelo busca respeitar os princípios acima elencados, os quais, no ordenamento jurídico brasileiro, têm o status de garantias constitucionais (CR, Art. 5º, LV). Nesse sentido, mencionem-se os seguintes artigos:

Artigo 12
Fundamentos de Recusa
1 - Quando uma pessoa for sondada com vista à sua eventual nomeação como árbitro, ele fará notar todas as circunstâncias que possam levantar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade ou independência. A partir da data da sua nomeação e durante todo o processo arbitral, o árbitro fará notar sem demora às partes as referidas circunstâncias, a menos que já o tenha feito.
2 - Um árbitro só pode ser recusado se existirem circunstâncias que possam levantar fundadas dúvidas sobre a imparcialidade ou independência, ou se ele não possuir as qualificações que as partes convencionaram. Uma parte só pode recusar um árbitro que tiver nomeado ou em cuja nomeação tiver participado por uma causa de que apenas tenha tido conhecimento após esta nomeação.

Artigo 18
Igualdade de Tratamento das Partes
As partes devem ser tratadas em pé de igualdade e deve ser dadas a cada uma delas as possibilidades de fazerem valer os seus direitos.[30] (grifos nossos)

            Verifica-se, portanto, que os princípio processuais exigidos pela Lei Brasileira são também consagrados pela Lei Modelo. O que encerra a análise dos requisitos para execução da sentença arbitral.

  
6. CONCLUSÃO

            A proposta inicial deste trabalho foi investigar a compatibilidade dos  procedimentos arbitrais previstos na Lei 9.307/96 e na Lei Modelo da Uncitral. Sob esta dúvida, encontra-se outra. Saber se um contrato que adote a Lei Modelo da Uncitral para regular uma arbitragem internacional seria válido e eficaz no Brasil.
            Após enfrentar vários aspectos das duas normas, dentre os quais vale mencionar seu âmbito de aplicação, seu procedimento de formação e o procedimento requerido para sua execução, conclui-se que os diplomas são compatíveis, todavia apenas em parte. Mais que isso, conclui-se que a compatibilidade dos diplomas dependerá da nacionalidade da sentença arbitral.
            Conforme demonstrou-se ao longo do texto, a Lei Modelo prescinde de algumas exigências formais que a Lei Brasileira julga essenciais para a validade de uma sentença arbitral interna. Dentre elas pode-se mencionar a existência de um compromisso arbitral, e, dentro dele, o apontamento do lugar em que será proferida a sentença.
            Além disso, algumas previsões da Lei Modelo, tal como a irrecorribilidade das decisões judiciais que versem sobre questões incidentes da arbitragem, não podem ser aplicadas no Brasil, uma vez que a Lei Modelo não é norma material em nosso ordenamento, e a matéria em questão está fora do poder contratual das partes. O mesmo raciocínio se aplica à possibilidade de as partes dispensarem a fundamentação da sentença arbitral. Apesar de ser uma faculdade indicada pela Lei Modelo, ela não se aplica em nosso Direito, por violar dispositivo da Lei 9.307/96.
            Todavia, há de se ressaltar que essas limitações só existem se a decisão arbitral for proferida no Brasil, Isso porque, por força da Lei 9.307/96, serão consideradas internas, e consequentemente deverão obedecer ao regramento nacional sobre a arbitragem.
            Já no caso de a sentença arbitral prolatada segundo a Lei Modelo ser proferida no exterior, não existirá qualquer óbice à sua execução no Brasil, uma vez que, observada globalmente, a Lei Modelo não traz disposições que violem a ordem pública nacional ou que permitam arbitragem sobre matérias proibidas pelo Direito brasileiro.
            Sob outra ótica, nenhuma das disposições da Lei Modelo enquadra-se nos incisos do artigo 38 da Lei n. 9.307/96, que apresenta as causas de recusa de homologação de sentença arbitral estrangeira. Pelo contrário, observa-se que a Lei Modelo respeita todos os bens jurídicos ali listados, quais sejam, a capacidade civil, a validade da convenção de arbitragem segundo a lei local, o princípio do contraditório, a limitação da sentença arbitral ao caso e a regular instituição da arbitragem,
            Feitas estas considerações, espera-se que este trabalho tenha cumprido seu papel, ao esclarecer pontualmente o intercâmbio possível entre a Lei 9.307/96 e a Lei Modelo da Uncitral. A expectativa é que este seja somente o primeiro de muitos trabalhos que busquem aprofundar o estudo da integração entre a lei brasileira de arbitragem e a Lei Modelo da Uncitral. Sobretudo porque o assunto tem implicações práticas imediatas, que pode beneficiar a inserção do Brasil no mercado internacional,
Além disso, espera-se que o trabalho represente uma contribuição para o desenvolvimento da pesquisa na área da Arbitragem Internacional, tema ainda pouco explorado nas universidades, mas que apresenta desafios muito interessantes a ser enfrentados. A título de exemplo, citem-se as arbitragens multi-parte, a extensão da cláusula arbitral a terceiros, a arbitragem envolvendo grupos de empresas e a execução internacional de medidas cautelares arbitrais. Cada um desses temas merece cuidadoso estudo. Se este trabalho houver despertado suficiente curiosidade para que estes estudos sejam efetuados, seu objetivo terá sido, em grande parte, completado.

  
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[1] (Texto Original)The United Nations Commission on International Trade Law (UNCITRAL) was established by the General Assembly in 1966 (Resolution 2205(XXI) of 17 December 1966). In establishing the Commission, the General Assembly recognized that disparities in national laws governing international trade created obstacles to the flow of trade, and it regarded the Commission as the vehicle by which the United Nations could play a more active role in reducing or removing these obstacles. The Commission has since come to be the core legal body of the United Nations system in the field of international trade law. The Commission is composed of sixty member States elected by the General Assembly. Membership is structured so as to be representative of the world's various geographic regions and its principal economic and legal systems. Members of the Commission are elected for terms of six years, the terms of half the members expiring every three years.The Commission carries out its work at annual sessions, which are held in alternate years at United Nations Headquarters in New York and at the Vienna International Centre at Vienna. Each working group of the Commission typically holds one or two sessions a year, depending on the subject-matter to be covered; these sessions also alternate between New York and Vienna. In addition to member States, all States that are not members of the Commission, as well as interested international organizations, are invited to attend sessions of the Commission and of its working groups as observers. Observers are permitted to participate in discussions at sessions of the Commission and its working groups to the same extent as members. The areas in which the Commission has worked or is working and the major results of that work are set forth below.
[2] http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/arbitration/ml-arb/06-54671_Ebook.pdf
[3] (Texto Original) The Model Law constitutes a sound and promising basis for the desired harmonization and improvement of national laws. It covers all stages of the arbitral process from the arbitration agreement to the recognition and enforcement of the arbitral award and reflects a worldwide consensus on the principles and important issues of international arbitration practice. It is acceptable to States of all regions and the different legal or economic systems of the world. The Model Law is designed to meet concerns relating to the current state of national laws on arbitration. The need for improvement and harmonization is based on findings that domestic laws are often inappropriate for international cases and that considerable disparity exists between them.

[4] www.arbitragem.com.br
[5]Conforme lista encontrada no site www.uncitral.org: Australia, Áustria Azerbaijão, Bahrein, Bangladesh, Bielorússsia, Bulgária, Canadá, Chile, na China: Hong Kong, Macau; Croácia, Chipre, Dinamarca, Egito, Alemanha, Grécia, Guatemala, Hungria, Índia, República Islâmica do Irã, Irlanda, Japão, Jordânia, Kenia, Lituânia, Madagascar, Malta, México, Nova Zelândia, Nigéria, Noruega, Omã, Paraguai, Peru, Filipinas, Polônia, República da Coréia, Federação Russa, Singapura, Espanha, Sri Lanka, Tailândia, Tunísia, Ucrânia, dentro do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte: Escócia; Bermudas, territórios ultramarinos do Reino Unido; no interior dos Estados Unidos da América: Califórnia, Connecticut, Illinois, Oregon eTexas; Zâmbia e Zimbábue.

[6] Trecho do voto do Min. Sepúlveda Pertence, no julgamento do Agravo Regimental em sentença estrangeira 5206-8/247, do Reino da Espanha, in Internet: http://www.stf.gov.br. Consulta feita em 15/11/06
[7] Trecho do voto do Min. Maurício Corrêa, no julgamento do Agravo Regimental em sentença estrangeira 5206-8/247, do Reino da Espanha, in Internet: http://www.stf.gov.br. Consulta feita em 15/11/06
[8] (Texto Original) This Law applies to international commercial** arbitration, subject to any agreement in force between this State and any other State or States.
[9] (Texto Original) The term "commercial" should be given a wide interpretation so as to cover matters arising from all relationships of a commercial nature, whether contractual or not. Relationships of a commercial nature include, but are not limited to, the following transactions: any trade transaction for the supply or exchange of goods or services; distribution agreement; commercial representation or agency; factoring; leasing; construction of works; consulting; engineering; licensing; investment; financing; banking; insurance; exploitation agreement or concession; joint venture and other forms of industrial or business co-operation; carriage of goods or passengers by air, sea, rail or road.
[10] http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/arbitration/ml-arb/06-54671_Ebook.pdf
[11] (Texto Original) The footnote to article 1 then provides an illustrative list of relationships that are to be considered commercial, thus emphasizing the width of the suggested interpretation and indicating that the determinative test is not based on what the national law may regard as “commercial”.
[12] (Texto Original) It serves, for instance, to distinguish international arbitrations concerning business or trade disputes from international arbitrations between states over boundary disputes and other political issues. It also serves to distinguish them form arbitrations (which are usually but not necessarily domestic) regarding such matters as property tenure, employment and family law. (…) Problems occasionally arise because courts of particular countries adopt a narrow definition of commecial, but the general approach, internationally, is to define “commercial” so as to embrace all types of trade or business transactions.
[13] (Texto Original) Art. 4 (5) This Law shall not affect any other law of this State by virtue of which certain disputes may not be submitted to arbitration or may be submitted to arbitration only according to provisions other than those of this Law.
[14] (Texto Original) Also covered as commercial would be transactions such as supply of electric energy, transport of natural gas via pipeline and even "non-transactions" such as claims for damages arising in a commercial context. Not covered are, for example, labour or employment disputes and ordinary consumer claims, despite their relation to business.
[15] Carter v. McLaughlin (1996), 27 O.R. (3d) 792 (Ont. Gen. Div.) pg. 798.
[16] (Texto Original) A transaction does not have to be conducted by merchants to be considered commercial. The sale of a home, for example was considered "commercial", even though the selling of homes was not the regular business activity of either party and the transaction was the only transaction between the parties.

[17] (Texto Original) the international nature of the arbitration does not mean that the parties must necessarily be of different nationalities. By virtue of its objects, the contract can nevertheless extend beyond national borders, when for example a contract is concluded between two national of the same State for performance in another country, or when it is concluded between a State and a subsidiary of  a foreign company doing business in that State.
[18] (texto original) Both parties had their places of business in Singapore and Singapore law was the governing law of the contract. The payment and nomination obligations were performed in Singapore. However, the other parts of the contract, i.e., providing the cargo, the tendering of notice of readiness, the transfer of risks and the loading operations were all performed in Yosu, Korea. Applying Section 5(2) of the International Arbitration Act, 1994 (Article 1(3)(b) MAL) the High Court held that the place of substantial performance of the contract as well as the place with which the subject matter of the dispute was most closely connected was Yosu, Korea. Accordingly, the arbitration being an "international" arbitration, the High Court rejected the application for leave to appeal.

[19] www.camarb.com.br
[20] (Texto Original) Article 7 - Definition and form of arbitration agreement                            

1. "Arbitration agreement" is an agreement by the parties to submit to arbitration all or certain disputes which have arisen or which may arise between them in respect of a defined legal relationship, whether contractual or not. An arbitration agreement may be in the form of an arbitration clause in a contract or in the form of a separate agreement.          

2. The arbitration agreement shall be in writing. An agreement is in writing if it is contained in a document signed by the parties or in an exchange of letters, telex, telegrams or other means of telecommunication which provide a record of the agreement, or in an exchange of statements of claim and defence in which the existence of an agreement is alleged by one party and not denied by another. The reference in a contract to a document containing an arbitration clause constitutes an arbitration agreement provided that the contract is in writing and the reference is such as to make that clause part of the contract.
[21] (Texto Original) Article 6 - Court or other authority for certain functions of arbitration assistance and supervision
The functions referred to in articles 11(3), 11(4), 13(3),14,16 (3) and 34 (2) shall be performed by ... [Each State enacting this model law specifies the court, courts or, where referred to therein, other authority competent to perform these functions.

Article 10 - Number of arbitrators
1 . The parties are free to determine the number of arbitrators.
2 . Failing such determination, the number of arbitrators shall be three.
Article 11 - Appointment of arbitrators
1 . No person shall be precluded by reason of his nationality from acting as an arbitrator, unless otherwise agreed by the parties.
2 . The parties are free to agree on a procedure of appointing the arbitrator or arbitrators, subject to the provisions of paragraphs (4) and (5) of this article.
3 . Failing such agreement,
(a) in an arbitration with three arbitrators, each party shall appoint one arbitrator, and the two arbitrators thus appointed shall appoint the third arbitrator; if a party fails to appoint the arbitrator within thirty days of receipt of a request to do so from the other party, or if the two arbitrators fail to agree on the third arbitrator within thirty days of their appointment, the appointment shall be made, upon request of a party, by the court or other authority specified in article 6;
(b) in an arbitration with a sole arbitrator, if the parties are unable to agree on the arbitrator, he shall be appointed, upon request of a party, by the court or other authority specified in article 6.
4 . Where, under an appointment procedure agreed upon by the parties,
(a) a party fails to act as required under such procedure, or
(b) the parties, or two arbitrators, are unable to reach an agreement expected of them under such procedure, or
(c) a third party, including an institution, fails to perform any function entrusted to it under such procedure, any party may request the court or other authority specified in article 6 to take the necessary measure, unless the agreement on the appointment procedure provides other means for securing the appointment.

[23] (Texto Original) Article 6
1 If a sole arbitrator is to be appointed, either party may propose to the other:
(a) The names of one or more persons, one of whom would serve as the sole arbitrator; and
(b) If no appointing authority has been agreed upon by the parties, the name or names of one or more institutions or persons, one of whom would serve as appointing authority.
2If within thirty days after receipt by a party of a proposal made in accordance with paragraph 1 the parties have not reached agreement on the choice of a sole arbitrator, the sole arbitrator shall be appointed by the appointing authority agreed upon by the parties. If no appointing authority has been agreed upon by the parties, or if the appointing authority agreed upon refuses to act or fails to appoint the arbitrator within sixty days of the receipt of a party's request therefor, either party may request the Secretary-General of the Permanent Court of Arbitration at The Hague to designate an appointing authority.
3. The appointing authority shall, at the request of one of the parties, appoint the sole arbitrator as promptly as possible. In making the appointment the appointing authority shall use the following list-procedure, unless both parties agree that the list-procedure should not be used or unless the appointing authority determines in its discretion that the use of the list-procedure is not appropriate for the case:
(a) At the request of one of the parties the appointing authority shall communicate to both parties an identical list containing at least three names;
(b) Within fifteen days after the receipt of this list, each party may return the list to the appointing authority after having deleted the name or names to which he objects and numbered the remaining names on the list in the order of his preference;
(c) After the expiration of the above period of time the appointing authority shall appoint the sole arbitrator from among the names approved on the lists returned to it and in accordance with the order of preference indicated by the parties;
(d) If for any reason the appointment cannot be made according to this procedure, the appointing authority may exercise its discretion in appointing the sole arbitrator.
4. In making the appointment, the appointing authority shall have regard to such considerations as are likely to secure the appointment of an independent and impartial arbitrator and shall take into account as well the advisability of appointing an arbitrator of a nationality other than the nationalities of the parties.
[25] (Texto Original) 5. A decision on a matter entrusted by paragraph (3) and (4) of this article to the court or other authority specified in article 6 shall be subject to no appeal. The court or other authority, in appointing an arbitrator, shall have due regard to any qualifications required of the arbitrator by the agreement of the parties and to such considerations as are likely to secure the appointment of an independent and impartial arbitrator and, in the case of a sole or third arbitrator, shall take into account as well the advisability of appointing an arbitrator of a nationality other than those of the parties.
[26] (Texto Original) Article 9. Arbitration agreement and interim measures by court It is not incompatible with an arbitration agreement for a party to request, before or during arbitral proceedings, from a court an interim measure of protection and for a court to grant such measure. (tradução nossa).
Article 17. Power of arbitral tribunal to order interim measures Unless otherwise agreed by the parties, the arbitral tribunal may, at the request of a party, order any party to take such interim measure of protection as the arbitral tribunal may consider necessary in respect of the subject-matter of the dispute. The arbitral tribunal may require any party to provide appropriate security in connection with such measure.

[27] (Texto Original) Article 19. Determination of rules of procedure
(1) Subject to the provisions of this Law, the parties are free to agree on the procedure to be followed by the arbitral tribunal in conducting the proceedings.
(2) Failing such agreement, the arbitral tribunal may, subject to the provisions of this Law, conduct the arbitration in such manner as it considers appropriate. The power conferred upon the arbitral tribunal includes the power to determine the admissibility, relevance, materiality and weight of any evidence.
Article 26. Expert appointed by arbitral tribunal
(1) Unless otherwise agreed by the parties, the arbitral tribunal
(a) may appoint one or more experts to report to it on specific issues to be determined by the arbitral tribunal;
(b) may require a party to give the expert any relevant information or to produce, or to provide access to, any relevant documents, goods or other property for his inspection.
(2) Unless otherwise agreed by the parties, if a party so requests or if the arbitral tribunal considers it necessary, the expert shall, after delivery of his written or oral report, participate in a hearing where the parties have the opportunity to put questions to him and to present expert witnesses in order to testify on the points at issue.
Article 27. Court assistance in taking evidence
The arbitral tribunal or a party with the approval of the arbitral tribunal may request from a competent court of this State assistance in taking evidence. The court may execute the request within its competence and according to its rules on taking evidence

[28] (Texto Original) Article 35. Recognition and enforcement
(1) An arbitral award, irrespective of the country in which it was made, shall be recognized as binding and, upon application in writing to the competent court, shall be enforced subject to the provisions of this article and of article 36.
(2) The party relying on an award or applying for its enforcement shall supply the duly authenticated original award or a duly certified copy thereof, and the original arbitration agreement referred to in article 7 or a duly certified copy thereof. If the award or agreement is not made in an official language of this State, the party shall supply a duly certified translation thereof into such language.*** Article 36. Grounds for refusing recognition or enforcement.
(1) Recognition or enforcement of an arbitral award, irrespective of the country in which it was made, may be refused only:
(a) at the request of the party against whom it is invoked, if that party furnishes to the competent court where recognition or enforcement is sought proof that:
(i) a party to the arbitration agreement referred to in article 7 was under some incapacity; or the said agreement is not valid under the law to which the parties have subjected it or, failing any indication thereon, under the law of the country where the award was made; or
(ii) the party against whom the award is invoked was not given proper notice of the appointment of an arbitrator or of the arbitral proceedings or was otherwise unable to present his case; or
(iii) the award deals with a dispute not contemplated by or not falling within the terms of the submission to arbitration, or it contains decisions on matters beyond the scope of the submission to arbitration, provided that, if the decisions on matters submitted to arbitration can be separated from those not so submitted, that part of the award which contains decisions on matters submitted to arbitration may be recognized and enforced; or
(iv) the composition of the arbitral tribunal or the arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties or, failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where the arbitration took place; or
(v) the award has not yet become binding on the parties or has been set aside or suspended by a court of the country in which, or under the law of which, that award was made; or
 (b) if the court finds that:
(i) the subject-matter of the dispute is not capable of settlement by arbitration under the law of this State; or
(ii) the recognition or enforcement of the award would be contrary to the public policy of this State.
(2) If an application for setting aside or suspension of an award has been made to a court referred to in paragraph (1)(a)(v) of this article, the court where recognition or enforcement is sought may, if it considers it proper, adjourn its decision and may also, on the application of the party claiming recognition or enforcement of the award, order the other party to provide appropriate security.


[29] (Texto Original) Article 31. Form and contents of award
(1) The award shall be made in writing and shall be signed by the arbitrator or arbitrators. In arbitral proceedings with more than one arbitrator, the signatures of the majority of all members of the
arbitral tribunal shall suffice, provided that the reason for any omitted signature is stated.
(2) The award shall state the reasons upon which it is based, unless the parties have agreed that no reasons are to be given or the award is an award on agreed terms under article 30.
(3) The award shall state its date and the place of arbitration as determined in accordance with article 20(1). The award shall be deemed to have been made at that place.
(4) After the award is made, a copy signed by the arbitrators in accordance with paragraph (1) of this article shall be delivered to each party.
[30] (Texto Original) Article 12. Grounds for challenge
 (1) When a person is approached in connection with his possible appointment as an arbitrator, he shall disclose any circumstances likely to give rise to justifiable doubts as to his impartiality or independence. An arbitrator, from the time of his appointment and throughout the arbitral proceedings, shall without delay disclose any such circumstances to the parties unless they have already been informed of them by him.
(2) An arbitrator may be challenged only if circumstances exist that give rise to justifiable doubts as to his impartiality or independence, or if he does not possess qualifications agreed to by the parties. A party may challenge an arbitrator appointed by him, or in whose appointment he has participated, only for reasons of which he becomes aware after the appointment has been made.
Article 18. Equal treatment of parties
The parties shall be treated with equality and each party shall be given a full opportunity of presenting his case.

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